O
MICKEY É DE TODO MUNDO
Um
dos assuntos mais comentados desse início de 2024, é o fato do Mickey Mouse,
famoso ratinho símbolo da Disney ter entrado em domínio público.
Quer
dizer, o que entrou em domínio público foi o primeiro curta metragem a lançar o
Mickey que foi O Vapor Willie(Steamboat Willie, EUA, 1928). Esse
completou 95 anos agora em 2023.
É
curioso imaginar que esse primeiro curta-metragem a lançar o Mickey já era para
ter entrado em domínio público há 40 anos.
Isso
só não aconteceu porque a gigante Disney, conseguiu se utilizar de sua
influência para fazer lobby no governo para o congresso americano modificar em dois diferentes momentos as leis
de duração dos direitos autorais sobre
propriedade intelectual nos Estados
Unidos para deixa-lo longe do domínio
público.
Como
assim? Explicando resumidamente e de forma superficial, nos Estados Unidos,
existe uma lei de direito autoral que protege qualquer criação artística de
serem violados, onde os criadores e seus familiares tendem a receber royalties
por ela até o momento que ela vir a completar uma determinada idade se torna de domínio público.
Portanto,
longe da proteção de propriedade
intelectual.
Ao
se tornar de domínio público significa que qualquer um pode criar algo em cima dele, sem precisar
pagar direitos autorais e pode livremente fazer algo diferente.
As
leis de direitos autorais, difere de país para país, especialmente em se
tratando do prazo de validade estabelecido para a obra virar domínio público.
Quando
o Mickey Mouse foi concebido a primeira vez nesse curta metragem lançado em
1928, nessa época a Disney ainda não era essa gigante como conhecemos hoje e
que completou 100 anos em 2023.
Era
um estúdio de animação pequeno que só
tinha cinco anos de operação, inclusive no filme biográfico Walt Antes do Mickey(Walt Before
Mickey, EUA, 2015) que recomendo assistirem, pois complementa bem o que
resumidamente vou explicar aqui.
Nesse
filme, somos apresentados a vida
pregressa do animador Walter Elias Disney, que assinava como Walt
Disney(1901-1966). Trabalhando com animação em um estúdio dos Kansas, que
depois fechou.
Nisso
ele se muda para a California, monta um novo estúdio em 1923, onde ele batiza
com seu próprio nome Walt Disney Pictures, o que as vezes fica
difícil distinguir entre a pessoa física da pessoa jurídica.
Onde
somos apresentados as animações que ele produziu antes de criar o Mickey, que
contou em sua equipe com Ub Iwerks(1901-1971) que foi o co-criador do Mickey
Mouse e com Friz Freleng(1904-1995) que posteriormente criaria os personagens
que compõe o universo dos Looney Tunes.
E
ele também mostra Walt conhecendo sua
futura esposa, a animadora Lillian Bounds(1899-1997),
que passaria a assinar como Lillian Bounds Disney.
E
o filme encerra com chave de ouro com ele criando o Mickey Mouse que se tornou
o sinônimo, a marca de sua empresa, com o nome inicial de Mortimer que foi
mudado por sugestão de sua esposa.
As
vezes sendo um pouco chapa branca. Mas enfim.
Na
data que o Mickey Mouse foi concebido, a lei que vigorava nos EUA desde 1909 para uma obra entrar em domínio público era quando completasse 56 anos. Portanto, o famoso
ratinho já era para ter entrado em domínio público em 1984.
Sendo
que a Disney, à medida que foi crescendo e se tornando uma gigante,
principalmente depois que lançou o primeiro longa metragem animado em cores que
foi da Branca de Neve e os Sete Anões(Snow White and The Seven
Dwarfs, EUA, 1937). Livremente
inspirados nos clássicos contos literários dos Irmãos Jacob(1785-1863) e Wilhelm Grimm(1786-1859),
que já eram de domínio público.
Ela
foi se expandindo a ponto de criar os famosos parques temáticos, que sempre
foram a paixão de Walt Disney.
O
primeiro parque a surgir ainda não foi o
famoso Walt Disney World, localizado em Orlando, na Flórida. Que é o que
muitos em diferentes momentos da infância já sonharam em conhecer. Eu mesmo já
sonhei conhecer, pena que me faltou dinheiro e nunca realizei isso. Mas enfim. Essa
minha frustação em não conhecer o parque da Disney é o que menos importa aqui.
O
primeiro a surgir foi a Disneylândia, localizado em Anaheim, na California em
1955. Quanto que o famoso e gigantesco
Walt Disney World de Orlando, só seria fundado apenas em 1971, quando Walt
Disney já não estava mais vivo.
Quem
ficou incumbido de concretizar esse empreendimento foi seu irmão Roy Oliver
Disney(1893-1971), que havia assumido essa função de suceder ao irmão Walt na
presidência da companhia depois que ele faleceu em 1966, aos 65 anos, vitimado
por um câncer de pulmão.
O
que muitos podem achar um pouco de nepotismo, acontece que Roy foi uma figura
muito importante para que seu irmão Walt conseguisse com que a companhia que
leva seu nome virasse o que se tornou,
uma gigante do entretenimento e que perdura até hoje.
Isso
porque ele apesar de não ter o mesmo
talento e a mesma genialidade artística de
Walt, mas, em compensação tinha para
mexer com dinheiro, com finanças. Coisa que Walt não tinha.
E
foi por ter sido um grande investidor da carreira de Walt e ajudado a
transformar o seu sonho numa realidade
que ele presidiu a empresa até a sua
morte no dia 20 de dezembro de 1971, dois meses depois de realizar a inauguração do Walt
Disney World de Orlando.
Foi
no contexto dos anos 1970, que a Disney já uma gigante e presidida por Roy
Edward Disney*(1930-2009), o sobrinho de Walt que assumiu o comando da empresa
depois do falecimento de seu pai Roy Oliver Disney.
Começou a mover os pauzinhos ao perceber que o
tempo de perder a exclusividade do seu mascote estava chegando ao fim, para usar de sua influência, fez muitos
lobbys com deputados que conseguiram aprovar uma lei em 1976 que estendia o
prazo do domínio público de 56 anos para 75 anos.
Portanto,
o Mickey Mouse ficou livre do domínio público até 2003.
Na
década de 1990, quando foi percebendo a proximidade de perder o mascote
novamente. A Disney então sob a gestão de Michael Eisner conseguiu mexer
novamente os pauzinhos e com muita influência, lobbys e fazendo doações financeiras, conseguiram que
o congresso americano aprovasse uma nova extensão de tempo de direito autoral
para proteger o Mickey do domínio
público.
Foi
então que em 1998, uma nova lei aprovada estendendo o prazo de 75 anos passou para 95 anos. Portanto, o
Mickey ficou protegido do domínio público até 2024.
E
eis que chegamos em 2024, e parece que a Disney não moveu mais nenhum pauzinho
para proteger o Mickey do domínio público, agora que ele completou 95 anos.
Bom,
uma das explicações para isso, está no fato de que ao longo das duas primeiras
décadas do século 21, ou seja, dos anos 2000 para cá, o consumismo da mídia
digital fez mudar alguns conceitos a respeito do corporativismo do
entretenimento.
Antes
quando a Disney fez essas duas mudanças na legislação de direitos autorais nos
anos 1970 e na década de 1990, o debate com relação a direitos autorais não era
uma preocupação tão a nível público.
Ela
só se tornaria preocupação a nível público quando o domínio da era digital
dessas primeiras décadas do século 21
que passaram a compartilhar
imagens em forma de fotos e vídeos com personagens clássicos passou a preocupar grandes corporações. Devido a
pirataria on line.
É
tanto que em 2012, grandes corporações de entretenimento tentaram apresentar a emenda
de uma lei no congresso de proteção chamada de
SOPA**para restringir e proteger o uso indevido de suas criações na internet. E
a Disney estava entre elas.
Esse
projeto acabou sendo reprovado depois que algumas empresas de internet como
Google e Wikipédia se posicionaram contra e muitas manifestações populares
também se posicionaram contra.
Essa
humilhante derrota fez a Disney repensar que não daria mais para usar de sua
influência para tentar mudar as leis de direitos autorais para esticar o prazo de tempo como forma de
proteção ao seu querido mascote do domínio público.
O
que não significa que a Disney não vai continuar lutando para proteger o seu
mascote do domínio público.
Já
que ela vai se utilizar do conceito de marca registrada que sim essa é válida
para sempre.
Primeiramente
que uma coisa que necessariamente precisa ser esclarecida para qualquer artista
que pensar em produzir qualquer coisa do
Mickey sem pagar royalties precisa primeiramente ter a ciência de que o Mickey
Mouse que vai entrar em domínio público é o da versão do curta animado O
Vapor Willie.
Onde
nesse curta animado em preto e branco, a
caracterização do Mickey ainda não era como nos acostumamos com a representação
mais agradável, amigável, principalmente para quem na infância chegou a
consumir um boneco do ratinho.
Ele
não tinha as luvas brancas, o seu short não era vermelho, seus sapatos não eram amarelos, o formato dos
seus olhos eram ovais pretos e ainda não
tinha o fundo branco do globo ocular com a íris redonda preta e com seu rosto
pálido que não tinha o toque bege característico.
É
portanto, essa versão do Mickey que está em domínio público, que simbolizava o
perfil mais malandro e um tanto
politicamente incorreto que o personagem foi originalmente concebido. Que com o
passar dos anos, a medida que o personagem foi ganhando popularidade e o cinema
foi se evoluindo com o surgimento da técnica de coloração da Tecnicolor, e ele
foi ganhando parceiros como o Pato Donald, o Pluto e o Pateta é que ele foi se
suavizando até virar o símbolo da empresa.
Nesse
curta responsável por apresentar o Mickey, ele já contava com sua fiel
companheira Minnie e o intragável do
João Bafo de Onça***.
Mostrando o Mickey sendo marinheiro e dando uma
assoviada, esse momento que já foi até reproduzido atualmente na logo dos
filmes da Disney, representou uma inovação importante para as animações ao
colocar som num momento em que o cenário do cinema do final dos anos 1920
testemunhou uma revolução ao trazer o dialogo falado dos atores.
Isso
ocorreu um ano depois que foi lançado O
Cantor de Jazz(The Jazz Singer, EUA, 1927) do diretor Alan
Crosland(1894-1936), que revolucionou como o primeiro filme falado da história
do cinema.
É
portanto, essa versão do Mickey desse curta que vai entrar em domínio público,
e terá de fazer em cima dessa versão. Não
vai poder incluir as luvas brancas porque essa versão ainda estará protegida
por direitos autorais. Isso porque qualquer característica especifica que foi sendo
alterada do personagem anos depois
ficará sob a proteção da propriedade intelectual.
O
Vapor Willie carrega muitas características do tipo de
estética do primeiro estilo de animação tradicional
chamado de Rubber Hose, que numa
tradução literal significa membros de mangueira de borracha, que eram como
lembravam os formatos dos braços e das
pernas dos personagens e com o corpo retangular lembrava uma mangueira e uma
cabeça de formato arredondado desproporcional que lembravam borrachas.
Bimbo, Betty Boop e o palhaço Koko símbolos do tradicional estilo de Rubber Hose de animação
Assim
como também carrega um pouco da estética
do cinema mudo. Principalmente na maneira como aqui ainda sem verbalizar, se
utiliza muito da linguagem pantomima de humor físico, que teve entre seus
principais expoentes Charlie Chaplin(1889-1977) com muitas referências
teatrais, e o próprio rosto pálido do ratinho bem remete ao estilo de maquiagem
que eram colocados nos atores.
Cupehead, animação atual inspirada no Rubber Hose
Que
já foi bem numa época em que Hollywood já havia se industrializado e
transformado num negócio, onde ela já estava apostando na imagem e na marca dos nomes dos atores para atrair
público.
Para
entender melhor: Que em algum momento da vida nunca se interessou por querer
pagar pelo ingresso de uma sala de cinema, mesmo que o filme não fosse do gênero de sua preferência, mas só de saber
que ele conta no elenco com nomes como: Sylvester Stalonne, Brad Pitt, Sharon
Stone, Angelina Jolie ou qualquer nome de ator ou atriz famoso(a) que fosse,
você com certeza pagaria para ver o filme?
É
bem o exemplo do que o peso dos nomes
desses artistas carregam como garantia para atrair público, o que aqui no
Brasil, o público médio que acompanha novela seriam provavelmente atraídos se o filme tivesse no elenco nomes como:
Antônio Fagundes, Reginaldo Faria, Edson Celulari, Rodrigo Santoro, Regina
Duarte, Betty Faria, Claudia Raia, Ingrid Guimarães dentre uma infinidade de
outros exemplos.
Já
que foi mais ou mesmo por essa época que começaram a surgir a denominação dos atores de astros e das atrizes de
estrelas. Isso porque quando o público assistia na tela grande em formato
retangular sentia uma sensação de grandiosidade inatingível, como se fossem divindades, algo que foi mudando quando a
partir da década de 1950 que houve o
advento da televisão nas residências norte-americanas e os clássicos filmes começaram a ser veiculados na pequena tela de
TV, os atores passaram a se denominados de celebridades, nome derivado do latim
celebritas, que significa “grande público”.
Além
do Mickey, há outros personagens icônicos que em breve vão entrar em domínio
público, mas não totalmente.
Exemplo:
Popeye vai entrar em domínio público em 2025, mas o que vai entrar em domínio
público são as primeira tirinhas de jornais publicadas em 1929 por Elzie Crisie
Segar(1894-1938) que assinava como E.C.Segar. Quanto as versões animadas, ainda
estarão protegidas por direitos autorais.
O
mesmo também vale para o Superman, criação da dupla Jerry Siegel(1914-1996) e
Joe Shuster(1914-1992) que surgiu na revista Action Comics em 1938, mas
o que vai entrar em domínio público é dessa primeira revista do Superman.
Já
as versões adaptadas para a cinema, tv, animações e as histórias que outros quadrinistas foram
criando para as sagas futuras, ainda
estarão protegidas pelos direitos autorais da DC Comics.
O
mesmo também vale para o Capitão América, que vai entrar em domínio público em
2037, mas apenas a sua primeira versão do gibi lançado em 1941, criado por Joe
Simom(1913-2011) e Jack Kirby(1917-1994) por outra editora a Timely Comics.
Antecessora da Marvel Comics, que só seria fundada apenas nos anos 1960 por
Stan Lee(1922-2018).
A
versão recente que acompanhamos dele no
cinema nos filmes do Universo Cinematográfico Marvel sendo representado por
Chris Evans ainda está protegido por direitos autorais da empresa.
Há
outros personagens icônicos que já são
de domínio público que a gente nem percebeu e fica um tanto abismado em saber
as quantidades de produções feitas em cima dele.
Um
exemplo é a recente série do Zorro produzida pela Amazon Prime Vídeo, criado
pela literatura pulp em 1919 pelo americano Johnston McCulley(1883-1958).
Existem
diferentes versões do Zorro para cinema, tv, animações, mas estarão protegidas
por direitos autorais de suas respectivas produtoras.
Outro
exemplo de personagem que já é domínio público é o Tarzan, o personagem
assim como o Zorro surgiu na literatura pulp em 1912, criado pelo americano
Edgar Rice Burroughs(1875-1950). Ele por já ser centenário virou de domínio
público. Mas as diferentes versões
cinematográficas que já foram feitas em cima dele, o que inclui uma animação
produzida pela Disney em 1999, ainda estão protegidas por direitos autorais de
suas produtoras.
O
mais curioso e até pitoresco é quanto ao
Hércules****, que foi noticiado
no final de 2022 para ganhar uma versão live action da Disney inspirado na
animação que o mesmo estúdio lançou em
1997. Mas sem nada definido até o momento em que escrevo esse texto.
Um
fato curioso sobre este personagem é que
naturalmente ele já é de domínio público antes mesmo de existir questões de
direitos autorais.
Explico:
Hércules trata-se do mito do herói semideus da Grécia Antiga cuja origem são dos lendários relatos orais que foram se
espalhando até surgirem artistas como artesãos que começaram a criar gravuras e
esculturas de Hércules escrivães que
começaram a redigir poemas em
pergaminhos que séculos depois quando um inventor alemão Johanes
Guthemberg(1400-1468) inventou a máquina da prensa no século 15, e deram origem as publicações dos livros e os antigos
textos em pergaminhos escritos no grego arcaico foram sendo traduzidos é que foram
difundidos. É bom lembrar que na Grécia Antiga ainda não havia esse negócio de
direitos autorais.
Com
o advento do cinema no século 20, foram surgindo representações de Hércules que
foram representados por atores musculosos como Steve Reeves(1926-2000), Reg
Park(1928-2007), Arnold Schwarzzenegger, Lou Ferrigno, Kevin Sorbo na série dos anos 1990 e Dwayne Johnson.
Ambas
essas representações ainda estão protegidas por direitos autorais de suas
produtoras.
A
Disney ao fazer a versão live action de Hércules pode incluir o Pégaso
como seu inseparável companheiro, coisa que não existia nos antigos textos gregos
arcaicos, foi uma licença poética da Disney.
O
Pégaso que aparece nessa versão da Disney ele está protegido por direitos autorais,
do mesmo modo como como o Pégaso que
aparece no anime de Cavaleiros do Zodíaco(Saint Seyia, Japão, 1986-1989)
como constelação do Seyia, ele está protegido por direitos autorais do seu
criador Masami Kurumada e da sua produtora de animação, a japonesa Toei
Animation.
Enfim,
posso concluir nisso tudo que 2024 começou representando bem uma nova era
desafiadora para a Disney lidando com o desafio da dura realidade do seu
camundongo não sendo mais exclusivamente seu, mas agora de todo mundo.
****O que me fez lembrar da fita VHS de uma animação de
Hércules produzida pela picareta GoodTimes Home Vídeo que eu ganhei de presente
de minha tia num dia das crianças de 1997 pouco tempo depois de assistir a
animação de Hércules da Disney no cinema.
Essa empresa extinta em 2005 costumava plagiar na cara dura as produções
da Disney ao longo dos anos 1990. Essas animações foram distribuídas no Brasil
pela extinta Cosmos Vídeos que ficaram
conhecidas por suas dublagens raras, feitas exclusivamente para home vídeo e
que se perderam ao longo do tempo. Figurando como mídias perdidas.