OS BASTIDORES DO NASCIMENTO DO PLANO REAL.
Na época que eu acompanhei o surgimento da Moeda Real em 1994, e cresci vivenciando ela ainda está em atividade na atualidade mesmo após percalços, eu era uma criança, estava com 9 anos de idade, não fazia ideia do que tinha acontecido antes em nosso cenário político. Que já tínhamos passado por outras moedas, que tínhamos enfrentado uma longa inflação e que passamos por longos anos sendo administrados pelos militares num governo antidemocrático.
Quando eu nasci em 1985, foi o período onde o Brasil estava passando por uma importante transição, saindo dos longos 21 anos de Regime Militar, um ano após as Diretas Já e sendo governado pelo primeiro governo civil eleito indiretamente que foi Tancredo Neves. Que acabou não sendo empossado por ter adoecido dias antes da posse e acabou morrendo. Quem acabou assumindo no seu lugar foi José Sarney.
Este foi o período em que vivemos numa longa e conturbada inflação, quando houve a primeira eleição presidencial direta em 1989 que elegeu Fernando Collor de Mello como o primeiro presidente eleito diretamente a situação piorou com os seus planos econômicos desastrosos como o Plano Verão, Plano Collor 1 e Plano Collor 2. Isto acabou por resultar no seu Impeachment em 1992.
Até surgir o Plano Real em Julho de 1994, do qual acompanhei o seu surgimento que foi uma febre na época em que estávamos mais otimistas pela conquista do Tetracampeonato da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo nos EUA onde algumas coisas básicas dava para se comprar com 1,00 Real, seu crescimento e sua atividade até hoje passados mais de 20 anos, eu não tinha a menor dimensão de como estava passando o nosso Brasil anteriormente quando o Plano Real nasceu e nem como essa importante moeda foi concebida, como o filme Real-O Plano Por Trás da Moeda(Brasil, 2017), retratou bem como foram os bastidores da criação desta importante moeda que ajudou a tirar o Brasil do sufoco da inflação que já vinha acompanhado e atormentando os brasileiros desde a década de 1980.
O filme contou com a direção de Rodrigo Bittencourt, com roteiro escrito por Mikael de Albuquerque, adaptado do livro 3.000 dias no bunker – Um plano na cabeça e um país na mão de autoria do jornalista Guilherme Fiuza.
O enredo é contado em primeira pessoa pela ótica do economista Gustavo Franco(Emilio Orciollo Netto) ao dar uma entrevista a jornalista Valéria(Cassia Kis) horas antes de encarar a CPI do Banestado em 2003 e lá vai relatando como foi que aconteceu a sua participação nos bastidores da criação do Plano Real cujo ponto de partida começa em Maio de 1993, durante o Governo de Itamar Franco(Benvindo Siqueira) quando ele ainda atuava na carreira de docente numa Universidade e mostrando indisposição para continuar, ainda mais depois que recebe uma conversa dura do Reitor Mascarenhas(Blota Filho) sobre sua postura antiética de perseguir os alunos que ele acha comunista.
É neste momento que ele recebe o convite de Fernando Henrique Cardoso(Norival Rizzo) que havia lido seu artigo numa revista após receber nomeação para o cargo de Ministro da Fazenda no Governo de Itamar Franco(1930-2011) para arquitetarem a criação de uma nova moeda, numa reunião às escondidas dentro de um bunker.
Nisso então somos apresentados aos outros importantes personagens que foram figuras importantes na concepção do Plano Real junto com o Gustavo Franco que presidiu por duas vezes o Banco Central e que assim como ele, viraram os grandes personagens, as figuras-chaves durante a transição do cenário político do Governo Itamar para o Governo FHC, nomes como Pedro Malan(Tato Gabus Mendes), que se tornaria Presidente do Banco Central, Pérsio Arida(Guilherme Weber) que presidiu o BNDES e também presidiu o Banco Central durante o primeiro governo de FHC, Edmar Bacha(Giulio Lopes) que presidiu o BNDES no primeiro ano do mandato de FHC, Winston Fritsch(Fernando Eiras) que foi Ministro da Fazenda durante o Governo de Itamar Franco, Clóvis Carvalho(Carlos Meceni) que nesta ocasião ocuparia a secretaria-executiva do Ministério da Fazenda no Governo de Itamar Franco entre os anos de 1992-1994, e durante o Governo FHC, ocupou os cargos de Ministro da Fazenda e Ministro da Casa Civil e José Serra(Arthur Kohl) que virou Ministro da Saúde durante os mandatos do Governo de FHC que durou dois mandatos seguidos, sendo o primeiro mandato entre os anos de 1995-1998 e o segundo mandato que durou de 1999-2002.
Ou seja, todos os bastidores do surgimento do Plano Real que ocasionou no sucesso da eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência e os bastidores dos seus dois mandatos.
A obra pode tender a não agradar todo mundo, principalmente a quem é partidário e militante esquerdista de achar que o seu tom é bastante tendencioso em puxar o saco dos direitistas neoliberais e privatistas capitalistas como ficou marcado o Governo de FHC, ainda por estar reconstituindo este fato importante da História Política, Social e Econômica do Brasil e quando entra nessa seara a coisa leva a um caminho perigoso.
Porém, é necessário botar em mente que apesar dele estar retratando um fato verídico, ainda assim, a obra se utilizou de licenças poéticas e isto já é esclarecido no letreiro dos créditos iniciais onde eles justificam que alguns eventos mostrados no filme mesmo sendo reais foram ficcionados com o intuito mais dramaturgicamente acessível e mais palatável para o público em geral.
Com isso em mente, recomendo ver a obra de cabeça aberta.
Principalmente no que envolve o conceito estético da produção impecável. Como o brilhante design de produção reconstituindo a atmosfera retrô dos anos 1990 como os modelos de telefone usados para comunicação comum na época, os celulares de telhas, os computadores de tubo, os modelos de carros, as caracterizações dos personagem com toques bem vintages. Somados as paletas de cores escuras para dar aquele ar de suspense, mais as ótimas técnicas de câmeras como as que mostram closes, com perdão do trocadilho em tempo real. É junto ao grande elenco de feras que compõe esta obra. Entre os destaques vai para Emilio Orciollo Netto que representou bem o papel de Gustavo Franco, trabalhou bem toda as suas camadas, desde do homem egocêntrico que de professor universitário virou o cabeça do Plano Real que o levou a presidir o Banco Central, mostrando que isto vivia o obcecando tanto que ele acabava por não dar atenção a sua esposa Renata(Paolla Oliveira) que resultava em constantes crises a ponto dele terminar se separando dela.
Paolla Oliveira representou brilhantemente o papel da Renata, esposa de Gustavo Franco, mostrando todo o drama dela lidar com os seus estresses e egocentrismos.
Também merece menção as participações de Norival Rizzo, que eu cresci vendo ele apresentando o programa infantil da TV Cultura X-Tudo, representando no filme o sociólogo Fernando Henrique Cardoso no antes e após virar o Presidente da República representando bem as diferentes camadas sem fazer parecer muito caricato beirando ao teatral e sem tons de maniqueísmo. Benvindo Siqueira como Itamar Franco esteve excelente, também desempenhou muito bem o papel dele e em todas as nuances de bastidores sem tentar parecer maniqueísta e com uma convincente caracterização que procurava não parecer uma representação de esquete de programa de humor. Do mesmo jeito em relação a participação de Arthur Khol como José Serra que ficou incrível no papel representando fielmente todos os trejeitos da fala sem procurar parecer uma representação de esquete de programa de humor. A participação de Tato Gabus Mendes como Pedro Mallan, outro dos importantes personagens na construção da Moeda Real, também fez um desempenho extraordinário, além dele desenvolver bem o arco dele que envolveu a sua relação muito íntima com o Gustavo Franco e de como ele foi influente no cenário do Governo FHC. E a participação de Juliano Cazarré vivendo Gonçalves que representando a esquerda do PT, que aparece em dois momentos bem inusitados como negociando apoio a Fernando Henrique para as eleições e na cena da CPI.
Enfim, o que posso descrever sobre a obra, independente da visão política de quem for assisti-la, ela merece sim uma visitada para se compreender pela ótica da visão do contexto sócio econômico do Brasil da década de 1990 pré e pós-surgimento do Real. Ainda que o roteiro mostre algumas escorregadas, principalmente ao demonstrar uma posição um tanto tendenciosa em exaltar o protagonismo do Gustavo Franco, usando do artifício da fórmula campbeliana da Jornada do Herói e pintado ele como o salvador da economia brasileira e até mesmo trate de uma forma rasa o conceito científico complicado de entender como é a economia e a política sem muitos diálogos expositivos.
Ainda assim é uma obra bastante válida para refletirmos e compreendermos bastante sobre como funciona o complexo sistema da política-socio-econômica do nosso país.
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