quarta-feira, 31 de agosto de 2022
O WASHINGTON BRASILEIRO - EDUARDO BUENO
terça-feira, 30 de agosto de 2022
O último condenado na guilhotina | Nerdologia Criminosos
sábado, 27 de agosto de 2022
UM CRIME NOS BASTIDORES DE UMA NOVELA
Na tarde de quinta-feira, 11 de agosto de 2022,
terminei de assistir ao documentário Pacto brutal: o assassinato de Daniela
Perez (Brasil, 2022). Uma produção original da HBO Max dirigida por Tatiana
Issa e Guto Barra, em cinco episódios, aborda o assassinato da jovem atriz
Daniela Perez pelo seu colega de elenco da novela De Corpo e Alma (Brasil,
1992-1993), Guilherme de Pádua. O crime aconteceu no dia 28 de dezembro de 1992.
Coincidentemente, terminei de assistir o documentário no dia em que ela completaria
52 anos.
Eu era muito criança na época em que esse crime
ocorreu, estava com sete anos, mas lembro vagamente dos telejornais noticiando
o nome dela. Principalmente da última novela que participou, em que representou
a Yasmin e Guilherme de Pádua, seu assassino, interpretava o Bira, o seu par
romântico.
Por mais estranho que possa parecer o que vou
dizer, eu não recordava tanto deles em cena nessa novela; o que durante muito
tempo carreguei como lembrança foi a ousadia de o folhetim apresentar em
horário nobre, o antigo horário das oito, homens fazendo strip-tease num local
frequentado só por mulheres, o popular Clube das Mulheres, que estava
muito em alta na época, o qual contava com Victor Fasano, no auge da beleza e
da boa forma atlética, o famoso garoto-propaganda da marca de desodorante Avanço, representando um stripper. O núcleo
do qual Victor fazia parte contava com a participação de um cara que fazia um
apresentador do clube e que atuava nessa função também na vida real, o sócio e fundador do Clube das Mulheres, o
saudoso Marcos Manzano (1959-2020).
Outra coisa que eu me recordo dessa novela é a
estreia de Cristiana Oliveira na Globo, após estourar como a Juma Marruá na
versão original de Pantanal (Brasil, 1990), da extinta Rede Manchete. Sua
personagem, Paloma, era do núcleo de Daniela Perez, que representava sua irmã. Paloma
vivia um romance proibido com o Diogo, personagem do saudoso Tarcísio Meira (1935-2021),
um cara em crise no casamento. O casal era embalado pela canção italiana
Caruso, interpretada por Lucio Dalla (1943-2012). A atriz, inclusive, participa do
documentário dando seu depoimento.
Enfim, essas são as poucas coisas que eu me
recordo dessa novela tão assimilada ao crime brutal do assassinato de uma jovem
e talentosa atriz por um colega de elenco.
A respeito do documentário, o que posso dizer é
que ele é bem produzido. De maneira impecável, eles conseguem conduzir a
história tendo como fio condutor a mãe de Daniela, a novelista Glória Perez,
autora da novela em que a filha atuava na época do crime, que vai se
intercalando com as entrevistas e os depoimentos de muitos nomes importantes do
judiciário que investigaram o caso. Das pessoas próximas à Daniela, como um dos
representantes da classe artística, destaca-se o ator Raul Gazolla, que é viúvo
da atriz.
O documentário traz uma reconstituição das
horas que antecederam o crime, quando ela foi vista pela última vez na Globo, saindo
dos estúdios Tycoon, onde era gravada a novela antes da existência do Projac, e
imagens de arquivos. O canalha do Guilherme de Pádua não aparece dando
depoimento, ainda bem, pois muita coisa ali foi baseada nos autos do processo;
pois certamente ele daria uma nova versão para tentar confundir ainda mais a
justiça e colocar a culpa em sua então esposa e cúmplice no crime bárbaro,
Paula Thomaz. Esta, tão desprezível quanto Guilherme de Pádua, também não participa
do documentário. As únicas coisas que dá para ouvir da boca deles estão nos
arquivos das reportagens de telejornalismo que cobriam o caso.
O documentário esclarece como Guilherme de
Pádua havia sido selecionado para representar o Bira, o par romântico da Yasmim,
papel de Daniela Perez, que inicialmente era para ser do hoje deputado federal
Alexandre Frota, que não pôde aceitar o convite na época porque não foi
liberado da novela em que estava ainda atuando, Perigosas Peruas (Brasil,
1992). Frota aparece no documentário junto com outros atores, Raul Gazolla; Fábio
Assunção, que contracenava com Dani na novela fazendo seu outro par romântico;
Eri Johnson, que também contracenava com a atriz na novela. Outros atores
também dão seu depoimento: Stênio Garcia, que interpretava o pai de Yasmin, e
Cristiana Oliveira, que fazia o papel de sua irmã.
Mauricio Mattar, que não compunha o elenco da
novela, traça um perfil de Guilherme de Pádua quando contracenou com ele numa
peça chamada Blue Jeans, dirigida por Wolf Maia. A peça ainda contava
com Fábio Assunção e Alexandre Frota no elenco, os quais também dizem como era
conviver com Guilherme antes do crime, ressaltando seu comportamento estranho.
Fábio Assunção lembra um momento em que Guilherme de Pádua, representando um
policial que o prendia, chegou a machucá-lo de verdade. “Ele fazia um policial,
então ele me prendia, tinha que me bater, mas era ensaio. E ele me deu um soco
em cena. Foi na minha garganta, aquilo deu uma discussão enorme. Achei até que
ia ficar com algum problema na voz”, diz o ator.
O documentário mostra a passagem de Guilherme de Pádua pelo grupo teatral homoerótico dos Leopardos, no qual ingressou no final dos 1980 ao chegar no Rio de Janeiro (ele nasceu em Belo Horizonte). Ele se envergonha de ter participado do grupo e nessa época já mostrava um perfil egoísta, psicótico, narcisista. Foi nesse grupo conheceu a mulher que seria sua futura esposa e cúmplice no assassinato, Paula Thomaz. Ela também já demonstrava um comportamento estranho e possessivo. Capazes de fazer até um pacto macabro e dos mais bizarros. Foi essa a inspiração para o título do documentário.
O documentário traz ainda o depoimento de
muitos dos profissionais que trabalharam nos bastidores da novela (maquiadora, cameraman,
figurinista), todos ali relatando que Guilherme de Pádua agia sempre de forma
estranha e vivia perseguindo Daniela, por não se conformar com o pouco destaque
do seu personagem.
Há também o depoimento da filha de Hugo da
Silveira, já falecido, importante testemunha que passava pela estrada próxima ao
matagal onde foi encontrado o corpo da atriz; ele anotou a placa dos dois
carros ali parados.
Em alguns momentos nos deparamos com imagens de
arquivos com muitos representantes da classe artística clamando nas portas das
delegacias por justiça pelo assassinato de Daniela Perez, alguns desses
artistas já são falecidos, como é o caso Guilherme Karan (1958-2016), Marilu
Bueno (1940-2022), que na novela De Corpo e Alma fazia o papel da mãe de
Yasmim, personagem da Daniela Perez. Outras personalidades que aparecem nas
imagens de arquivos e também são falecidas: o jornalista Marcelo Rezende (1951-2017),
famoso apresentador de programas policialescos; o documentário mostra sua cobertura
do caso como repórter em matéria para a Rede Globo.
A jornalista Sandra Moreyra (1954-2015) também
aparece nas imagens de arquivos, entrevistando Daniela Perez quando a atriz
estava se preparando para fazer o papel da Yasmim na novela, comentando suas
expectativas em relação à personagem. Outra personalidade, essa recém-falecida,
que é mostrada nas imagens de arquivo do documentário, é Jô Soares (1938-2022),
em seu antigo talk show do SBT, o Jô Soares Onze e Meia (1988-1999),
quando entrevista a autora Glória Perez, esta desabafa sobre a impunidade. Em
outro momento, traz imagens do grupo dos Leopardos, fazendo performances
sexuais das quais participava o assassino Guilherme de Pádua.
Há também o depoimento do irmão de Daniela
Perez, o advogado Rodrigo Perez, relatando a ferida aberta com a morte brutal
da irmã, uma ferida que ainda não cicatrizou. O documentário não mencionou o
outro irmão de Daniela, o caçula Rafael Perez, que nasceu com uma síndrome rara
que afetou o seu desenvolvimento mental. Rafael faleceu dez anos depois da irmã,
em novembro de 2002, aos 25 anos, vítima de problemas intestinais.
Enfim, sobre esse tipo de produção, é
necessário que se tenha nervos de aço e muito preparo psicológico para digerir
todo o teor barra pesada que a obra expõe, desde os depoimentos emocionantes
até a foto da perícia mostrando o corpo da Daniela mutilado. Para quem gosta
dessa estética de true crime e tem estômago para conseguir ver até o fim e não
se sentir revoltado com a impunidade do caso, recomendo o documentário. Passados
trinta anos desse crime bárbaro, os monstros que assassinaram a Daniela Perez
estão soltos por aí. O Guilherme de Pádua virou pastor evangélico e está sempre
posando de santinho.
Mas se
você for sensível demais e se emociona muito fácil, acho melhor não se arriscar
a ver.
terça-feira, 23 de agosto de 2022
A Revolta da Chibata e os encouraçados brasileiros | Nerdologia
sábado, 20 de agosto de 2022
BRASIL ESCAPA DO NAUFRÁGIO - EDUARDO BUENO
terça-feira, 16 de agosto de 2022
Guerras do Ópio | Nerdologia
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
UM BEIJO DO GORDO
Em memória de Jô Soares
Na manhã de sexta-feira, 05 de agosto de 2022,
ouvi no rádio a notícia do falecimento do grande humorista Jô Soares, aos 84
anos. Desde o dia 28 de Julho, que o
humorista estava internado no Hospital Sírio-Libanês para tratar de uma
pneumonia. Mas as causas não foram divulgadas. Já fazia uns cinco anos que ele
vivia no ostracismo, desde que encerrou o seu ciclo na TV, em 2017. Nesse dia, como
forma de demonstrar minha solidariedade a ele, compartilhei nas minhas redes
sociais a foto de uma edição do seu livro O Xangô de Baker Street,
publicado em 1995, trata-se de um
romance com uma pegada detetivesca que traz como protagonista o célebre
detetive britânico Sherlock Holmes, famosa criação de Arthur Conan Doyle (1859-1930)
no final do século XIX. Na época do Brasil Imperial, o detetive vem ao país
para investigar uma série de assassinatos. Com sua peculiar estética cômica,
ficciona o encontro do detetive com importantes figuras reais como o então
Imperador Dom Pedro II, com uns toques dramatúrgicos e algumas licenças
poéticas.
Além desse, também li O homem que matou
Getúlio Vargas, publicado em 1998, outra obra com uma pegada de O Xangô
de Baker Street, um romance cômico sobre a história do desastrado assassino
bósnio Dimitri Borja Korozec, que tenta em vão assassinar nomes importantes da
história ao longo das primeiras cinco décadas do século XX, o último deles foi
justamente o Presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882-1954).
Antes disso, o meu primeiro contato com Jô
Soares foi como o célebre apresentador e entrevistador de talk shows noturnos,
primeiro com o Jô Soares Onze e Meia, que durou de 1988 até 1999, no SBT,
e em seguida no Programa do Jô, que durou de 2000 a 2016, na Rede Globo.
Não acompanhei seu trabalho como ator, representando
diferentes personagens em programas de humor, como, por exemplo, no Viva o
Gordo, com o qual só cheguei a ter contato quando o canal fechado Viva, do
Grupo Globo, reprisou há alguns anos o clássico programa de humor dos anos
1980.
Jô Soares, nome artístico de José Eugênio
Soares, nasceu no Rio no Janeiro, em 1938, era filho único do empresário
paraibano Orlando Heitor Soares e da dona de casa Mercedes Pereira Leal.
Jô chegou a sonhar em fazer carreira como
diplomata quando criança, estudou até numa conceituada escola suíça, mas logo
percebeu que o seu talento mesmo era para as artes. Culto e poliglota, soube bem
como utilizar sua criatividade intelectual para fazer rir. Chegou até mesmo a
traduzir a HQ Barbarella, criação do francês Jean-Claude Forest (1930-1998).
Discreto quanto à vida pessoal, Jô foi casado
três vezes, sua primeira esposa foi a atriz Teresa Austregésilo (1933-2021),
relação que durou vinte anos. E desse relacionamento Jô teve apenas um filho,
Rafael Soares, que tinha Transtorno do Espectro Autista (TEA). Rafael morreu
aos 50 anos, em 2014, vítima de um câncer no cérebro.
Depois disso Jô foi casado com outra atriz,
Sílvia Bandeira, o casamento durou três anos, mas não tiveram filhos, e assim
foi também com sua terceira mulher, Flávia Junqueira Pedras, com quem ficou
casado por 11 anos. Fora os namoros que ele manteve com duas atrizes com quem
não chegou a casar, Claudia Raia, em começo da carreira, e Mika Lins.
O que mais me chama a atenção sobre a vida
pessoal do Jô não é nem a invejável e privilegiada vida amorosa que ele levava
namorando disputadas mulheres lindas, que contrastava bastante com ele por não
ser, digamos, um bom exemplo do padrão de beleza exigido pela mídia; mas o fato
de que por muito tempo ele não expôs que tinha um filho autista. Ele só
comentou sobre isso publicamente a partir de 2011, numa entrevista ao programa Roda
Viva, na TV Cultura.
Essa sua postura em relação ao seu filho
autista gerou uma indignação entre a comunidade de pais de autistas, que
esperavam mais da parte dele um engajamento pela causa ao autismo, ainda mais
sendo homem público e formador de opinião. Algo como Marcos Mion tem mostrado
por causa de seu filho autista. A impressão
que essa postura de Jô causou para o
grupo de país de autistas seria uma
vergonha da parte dele pelo filho. O que de certo modo é um grande equívoco se
pensar dessa maneira. Porque tipo, meu pai mesmo apesar de não usar redes
sociais, como Facebook, Instagram dentre outros. Sempre foi muito avesso a
isso, apesar dele nunca usar aquele espaço
para expor publicamente uma foto minha para mostrar publicamente seu
amor por mim e seu engajamento a causa do autismo como fazem muitos país de
autistas ativistas, isso não significa
que ele deixa de demonstrar o seu amor por mim ou que sou uma vergonha para
ele. Principalmente quando eu faço companhia a ele.
Isso também pode ser aplicado a forma como Jô
demonstrava do jeito dele o seu amor paternal pelo seu filho. Provavelmente, uma das razões para Jô Soares
não ter exposto publicamente a história de seu filho autista, pode estar
relacionada ao fato de que quando Rafael Soares nasceu, em 1964, o espectro
autista ainda não se enquadrava dentro dos conceitos do estudo de comportamento
no Manual da Saúde Mental de Psiquiatria aqui no Brasil. Em outros países, no
entanto, a psiquiatria já estava avançada e desenvolvia os estudos sobre
autismo, com base principalmente no que vinte anos antes o psiquiatra austríaco
Leo Kanner (1894-1981), havia começado a
estudar em seus pacientes. Aqui no Brasil, o país entrava na fase barra pesada
da Ditadura Militar, com o golpe ocorrido justamente na data do nascimento do
filho de Jô, e a questão da conscientização do autismo demoraria uns trinta
anos para se consolidar na nossa sociedade brasileira. Com os militares no
poder, numa época marcada pela censura, Jô, pertencendo à classe artística, já
era visto como uma persona non grata, principalmente por ser o artista do riso,
símbolo da transgressão, que fazia suas piadas ácidas sobre o cotidiano
brasileiro com tipos bem populares.
Voltando ao tema do autismo, aqui no Brasil, a conscientização
social sobre o autismo foi crescendo lentamente, com a fundação de entidades com
uma proposta educacional diferenciada por grupos de pais de autistas com o
intuito de acolher, e, no começo do século 21, quando surgiu a moderna
comunicação pela internet ainda discada, com fóruns de grupos de país trocando
informações e criando uma data específica para o autista, 02 de Abril. Algo que
seria impensável na época em que o único filho de Jô Soares nasceu.
Vale lembrar que, nos anos 1960, a sociedade
brasileira era bastante capacitista, muito mais do que hoje em dia, em relação
a toda e qualquer pessoa com deficiência. Para muitas famílias brasileiras de
antigamente, ter um filho com deficiência era visto como símbolo de aberração, de vergonha, uma desonra, um castigo divino
para nossa sociedade cuja formação familiar sempre se guiou na forte influência
do conservadorismo patriarcal cristão/católico. É tanto que sequer eles costumavam
apresentar os seus filhos para alguma visita. Felizmente, isso mudou, porém, o
preconceito não. E isso é algo difícil de mudar, basta a gente observar o nosso
atual desgoverno cujo presidente ainda segue esses princípios tão intolerantes.
E para piorar, casos de ataques autistofóbicos vez ou outra são noticiados nas
redes sociais.
Enfim, com esta crônica, deixo aqui minha
singela homenagem ao Jô Soares com um beijo do gordo.
Descanse em paz, Jô.
(1938-2022).