Em memória de Jô Soares
Na manhã de sexta-feira, 05 de agosto de 2022,
ouvi no rádio a notícia do falecimento do grande humorista Jô Soares, aos 84
anos. Desde o dia 28 de Julho, que o
humorista estava internado no Hospital Sírio-Libanês para tratar de uma
pneumonia. Mas as causas não foram divulgadas. Já fazia uns cinco anos que ele
vivia no ostracismo, desde que encerrou o seu ciclo na TV, em 2017. Nesse dia, como
forma de demonstrar minha solidariedade a ele, compartilhei nas minhas redes
sociais a foto de uma edição do seu livro O Xangô de Baker Street,
publicado em 1995, trata-se de um
romance com uma pegada detetivesca que traz como protagonista o célebre
detetive britânico Sherlock Holmes, famosa criação de Arthur Conan Doyle (1859-1930)
no final do século XIX. Na época do Brasil Imperial, o detetive vem ao país
para investigar uma série de assassinatos. Com sua peculiar estética cômica,
ficciona o encontro do detetive com importantes figuras reais como o então
Imperador Dom Pedro II, com uns toques dramatúrgicos e algumas licenças
poéticas.
Além desse, também li O homem que matou
Getúlio Vargas, publicado em 1998, outra obra com uma pegada de O Xangô
de Baker Street, um romance cômico sobre a história do desastrado assassino
bósnio Dimitri Borja Korozec, que tenta em vão assassinar nomes importantes da
história ao longo das primeiras cinco décadas do século XX, o último deles foi
justamente o Presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882-1954).
Antes disso, o meu primeiro contato com Jô
Soares foi como o célebre apresentador e entrevistador de talk shows noturnos,
primeiro com o Jô Soares Onze e Meia, que durou de 1988 até 1999, no SBT,
e em seguida no Programa do Jô, que durou de 2000 a 2016, na Rede Globo.
Não acompanhei seu trabalho como ator, representando
diferentes personagens em programas de humor, como, por exemplo, no Viva o
Gordo, com o qual só cheguei a ter contato quando o canal fechado Viva, do
Grupo Globo, reprisou há alguns anos o clássico programa de humor dos anos
1980.
Jô Soares, nome artístico de José Eugênio
Soares, nasceu no Rio no Janeiro, em 1938, era filho único do empresário
paraibano Orlando Heitor Soares e da dona de casa Mercedes Pereira Leal.
Jô chegou a sonhar em fazer carreira como
diplomata quando criança, estudou até numa conceituada escola suíça, mas logo
percebeu que o seu talento mesmo era para as artes. Culto e poliglota, soube bem
como utilizar sua criatividade intelectual para fazer rir. Chegou até mesmo a
traduzir a HQ Barbarella, criação do francês Jean-Claude Forest (1930-1998).
Discreto quanto à vida pessoal, Jô foi casado
três vezes, sua primeira esposa foi a atriz Teresa Austregésilo (1933-2021),
relação que durou vinte anos. E desse relacionamento Jô teve apenas um filho,
Rafael Soares, que tinha Transtorno do Espectro Autista (TEA). Rafael morreu
aos 50 anos, em 2014, vítima de um câncer no cérebro.
Depois disso Jô foi casado com outra atriz,
Sílvia Bandeira, o casamento durou três anos, mas não tiveram filhos, e assim
foi também com sua terceira mulher, Flávia Junqueira Pedras, com quem ficou
casado por 11 anos. Fora os namoros que ele manteve com duas atrizes com quem
não chegou a casar, Claudia Raia, em começo da carreira, e Mika Lins.
O que mais me chama a atenção sobre a vida
pessoal do Jô não é nem a invejável e privilegiada vida amorosa que ele levava
namorando disputadas mulheres lindas, que contrastava bastante com ele por não
ser, digamos, um bom exemplo do padrão de beleza exigido pela mídia; mas o fato
de que por muito tempo ele não expôs que tinha um filho autista. Ele só
comentou sobre isso publicamente a partir de 2011, numa entrevista ao programa Roda
Viva, na TV Cultura.
Essa sua postura em relação ao seu filho
autista gerou uma indignação entre a comunidade de pais de autistas, que
esperavam mais da parte dele um engajamento pela causa ao autismo, ainda mais
sendo homem público e formador de opinião. Algo como Marcos Mion tem mostrado
por causa de seu filho autista. A impressão
que essa postura de Jô causou para o
grupo de país de autistas seria uma
vergonha da parte dele pelo filho. O que de certo modo é um grande equívoco se
pensar dessa maneira. Porque tipo, meu pai mesmo apesar de não usar redes
sociais, como Facebook, Instagram dentre outros. Sempre foi muito avesso a
isso, apesar dele nunca usar aquele espaço
para expor publicamente uma foto minha para mostrar publicamente seu
amor por mim e seu engajamento a causa do autismo como fazem muitos país de
autistas ativistas, isso não significa
que ele deixa de demonstrar o seu amor por mim ou que sou uma vergonha para
ele. Principalmente quando eu faço companhia a ele.
Isso também pode ser aplicado a forma como Jô
demonstrava do jeito dele o seu amor paternal pelo seu filho. Provavelmente, uma das razões para Jô Soares
não ter exposto publicamente a história de seu filho autista, pode estar
relacionada ao fato de que quando Rafael Soares nasceu, em 1964, o espectro
autista ainda não se enquadrava dentro dos conceitos do estudo de comportamento
no Manual da Saúde Mental de Psiquiatria aqui no Brasil. Em outros países, no
entanto, a psiquiatria já estava avançada e desenvolvia os estudos sobre
autismo, com base principalmente no que vinte anos antes o psiquiatra austríaco
Leo Kanner (1894-1981), havia começado a
estudar em seus pacientes. Aqui no Brasil, o país entrava na fase barra pesada
da Ditadura Militar, com o golpe ocorrido justamente na data do nascimento do
filho de Jô, e a questão da conscientização do autismo demoraria uns trinta
anos para se consolidar na nossa sociedade brasileira. Com os militares no
poder, numa época marcada pela censura, Jô, pertencendo à classe artística, já
era visto como uma persona non grata, principalmente por ser o artista do riso,
símbolo da transgressão, que fazia suas piadas ácidas sobre o cotidiano
brasileiro com tipos bem populares.
Voltando ao tema do autismo, aqui no Brasil, a conscientização
social sobre o autismo foi crescendo lentamente, com a fundação de entidades com
uma proposta educacional diferenciada por grupos de pais de autistas com o
intuito de acolher, e, no começo do século 21, quando surgiu a moderna
comunicação pela internet ainda discada, com fóruns de grupos de país trocando
informações e criando uma data específica para o autista, 02 de Abril. Algo que
seria impensável na época em que o único filho de Jô Soares nasceu.
Vale lembrar que, nos anos 1960, a sociedade
brasileira era bastante capacitista, muito mais do que hoje em dia, em relação
a toda e qualquer pessoa com deficiência. Para muitas famílias brasileiras de
antigamente, ter um filho com deficiência era visto como símbolo de aberração, de vergonha, uma desonra, um castigo divino
para nossa sociedade cuja formação familiar sempre se guiou na forte influência
do conservadorismo patriarcal cristão/católico. É tanto que sequer eles costumavam
apresentar os seus filhos para alguma visita. Felizmente, isso mudou, porém, o
preconceito não. E isso é algo difícil de mudar, basta a gente observar o nosso
atual desgoverno cujo presidente ainda segue esses princípios tão intolerantes.
E para piorar, casos de ataques autistofóbicos vez ou outra são noticiados nas
redes sociais.
Enfim, com esta crônica, deixo aqui minha
singela homenagem ao Jô Soares com um beijo do gordo.
Descanse em paz, Jô.
(1938-2022).
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