quinta-feira, 23 de julho de 2020

LIGUE DJÁ: A TRAJETÓRIA DE WALTER MERCADO E O FENÔMENO DO DISK 0900 NO BRASIL DOS ANOS 1990


Outro dia dei uma conferida no mais recente lançamento original da Netflix, que foi o documentário Ligue Djá-O Lendário Walter Mercado(Mucho, Mucho Amor, EUA, 2020) que traz a trajetória do mais célebre astrólogo, vidente e conselheiro espiritual que o mundo já conheceu.











WALTER MERCADO(1932-2019)



 E confesso que ao assistir o filme me deu uma sensação bem nostálgica e de deja vu ao me recordar de quando eu cresci, eu já era um pré-adolescente,  acompanhando o seu fenômeno de popularidade na TV, principalmente   aqui no Brasil pelo bordão do Ligue Djá, fruto da maneira como ele sendo porto-riquenho, ou seja, natural de Porto Rico,  um arquipélago da América Central que já foi de colonização hispânica e mesmo tentando se comunicar em português, demonstrava a dificuldade fonética da língua, principalmente quando se apresentava na TV para pronunciar  o Ligue Já, famosa frase de efeito  dos intervalos de programações dos canais abertos  para anunciar o seu tele serviço do prefixo 0900, que era bastante comum naquele período dos anos 1990 no Brasil.






 Numa época onde ainda não se havia desenvolvido as modernas plataformas digitais que temos hoje como os serviços de streaming da Netflix, onde temos a liberdade de não ficarmos tão reféns dos mandes e desmandes das programações dos grandes  canais abertos, comandados em sua boa parte  por grandes conglomerados corporativistas. Naquele período da última década do século 20, o uso desse serviço telefônico explorado a exaustão pelos canais de TV e que foram exportado dos EUA, que já utilizavam desse  moderno serviço comercial eletrônico desde os anos 1980, naquela época já simbolizava com perdão do trocadilho com o sobrenome do guru, um moderno mercado eletrônico onde  ainda era impensável se comprar por meio da internet com aplicativos de celulares e com pagseguro como ocorre hoje em dia. Já que o serviço de internet na época ainda estava engatinhando, e naquele período nem toda residência podia ter acesso a um computador pessoal que custava muito caro. E era nos modelos de tubo. Do mesmo jeito que era impossível nós assistimos uma TV Digital, visto que o modelo dos sinais era ainda no tradicional VHF analógico. As únicas opções de entretenimento era nas antenas parabólicas cujo sinal dava problema.






Este tipo de formato de serviço comercial televisionado com o uso de um  sistema de prefixo telefônico para atrair clientes ocupando os espaços pagos dos grandes  canais da TV aberta ganhou  a nomenclatura de informercial, que nada mais são do que as junções compostas  das palavras informação e comercial.


Me recordo de constantemente quando eu menino, moleque gorducho sempre que ficava grudado na TV esperando ansioso para começar  assistir algum programa infantil que eu gostava tipo num sábado à tarde na extinta Rede Manchete, esperar exibirem Jaspion ou mesmo Cavaleiros do Zodíaco, com a chatice tediosa de entre um intervalos e outro da programação aparecer estes longos anúncios dos informerciais como as propagandas  dos produtos tipos Facas Ginsu, Meias Vivarinas, Óculos de Sol, Aparelhos Auditivos, Travesseiros, e outros produtos de utilidade doméstica que eram exibidas nesse longo período pelo Grupo Imagem e Teleshop com o número (011) prefixo de São Paulo  com os dígitos 1406. A popularidade desse formato conquistou o Brasil na época e  inspirou uma canção do excêntrico conjunto musical dos Mamonas Assassinas, cujo título 1406 que abre a faixa do único álbum que eles lançaram em 1995, e que tiveram a vida ceifada pelo acidente aéreo ocorrido  em Março de 1996.  Cuja estética da letra com aquele humor escracho da banda e cheia de duplo sentido remetia a uma crítica em forma de sátira ao número de telefone desse serviço num trecho onde o vocalista Dinho(1971-1996) descreve bem  em primeira pessoa o drama do cara que não suporta ver a sua mulher querendo tudo o que via na TV e isto fica evidente quando  ele faz menção aos acessórios neste trecho:
“ Tudo que ela olha a desgraçada quer: /Televisão, microondas, micro system, microscópio / Limpa-vidro, limpa-chifre, facas Ginsu (...) Tudo que ela olha a desgraçada quer: /Ambervision, frigi-diet, celular, master-line / camisinha, camisola e kamikaze”.





Eu tive este CD do conjunto e tenho de confessar que sempre que eu ficava ouvindo nunca tinha reparado nesse tom satírico da letra que posso descrever analisando hoje sobre o quão datada que ela ficou apesar de ter envelhecido bem.  Não só o irreverente conjunto musical brasileiro tirava sarro com aquele fenômeno, como também a celebre trupe humorística da TV na época, o Casseta e Planeta, Urgente!  criaram uma esquete no programa de uma fictícia empresa chamada de Organizações Tabajara que parodiava justamente aquele fenômeno crescente que estava fazendo sucesso do novo modelo mercadológico midiático  dentro do Brasil naqueles idos dos anos 1990. A tendência também foi aumentando quando surgiram os serviços de antenas parabólicas e de operadoras a cabo com sinais  via satélite, oferecendo os canais pagos, também popularmente chamados de canais fechados. Ainda mais quando surgiram os formatos dos canais de venda conhecido pela nomenclatura de  Home Shopping como o Shoptime surgido em 1995.





Todos estes longos exemplos servem para explicar a razão do grande   sucesso que Walter Mercado obteve aqui no Brasil  através desse serviço de tele atendimento do 0900 e que de alguma forma ele bem refletia isto. Muito comum na época, que não só servia para o atacado e varejo dos mais diversos produtos e bugigangas como também servia para atendimentos assistencialistas comportamentais como os de relacionamentos, como o disque namoro na fase pré-namoro virtual  e também os de assistencialismo comportamental e espiritual de autoajuda ao qual o Walter Mercado bem se enquadrava. Usando de sua habilidade mais mística com a astrologia, não só ele se utilizava muito desse serviço como também outros videntes  como  os do Instituto Omar Cardoso que tem  esse  nome em homenagem ao importante  astrólogo brasileiro Omar Cardoso(1921-1978), que foi figura muito presente na TV brasileira dos anos 1960 e 1970. Também envolvia os tarólogos, numerólogos, cartomantes, ciganas, enfim. A astrologia sempre fascinou a humanidade há milênios desde seus primórdios,  muitos antes  de sequer existir explicações cientificas como comprovam os primeiros estudos dos filósofos gregos no período da Grécia Clássica Pagã Antes de Cristo.  



                 CD da coleção do serviço telefônico da Globo Disk, mostrando até as Organizações Globo entraram na onda do moderno comércio eletrônico dos anos 1990. 



Mas jamais imaginariam  que aqueles recursos modernos de divulgações midiáticas  traria uma popularidade grande e mais fascínio a astrologia como foi através daquele serviço moderno de tele atendimento do 0900 nos espaços comerciais das grades de televisão. Ainda que ok, tem gente muito descrente nisso, com uma visão bastante cética, a ponto de haver muita banalização quanto a visão de gente mal intencionada,  enganadora, praticando, curadíssimo  e charlatanismo que existe por ai  para aplicar golpes. Mas que não vou entrar nesse assunto tão polêmico.
A questão aqui foi apenas explicar todo o contexto que ocasionou na popularidade que Walter Mercado teve que aliás é mencionado nas entrevistas do documentário, mostrando uma imagem sua de arquivo sendo entrevistado pela jornalista Marilia Gabriela, provavelmente no Programa De Frente com Gabi no SBT talvez lá para  1997/98/99.
                Logo das Organizações Tabajara, uma fictícia empresa criada pela trupe do Casseta e Planeta como uma paródia aos produtos  ultramodernos oferecidos aos serviços de tele atendimento do 0900. 



Fora também em explorar outras coisas interessantes sobre ele além de toda a aura mística  de  glorificação,  santificação, iluminação  e de idolatraria em torno do célebre vidente da TV. Que tinha entre outras características, o seu jeito de vestir-se todo excêntrico, extravagante, espalhafatoso e um tanto carnavalesco, com um rosto andrógino, com maquiagem exagerada e um corte de cabelo  alisado volumoso e  cheio de laquês que lhe dava um aspecto de galã. Que conquistava e magnetizava as pessoas com sua forma de transmitir suas mensagens sempre  positivas sempre finalizando com mucho, mucho amor.   
Na obra, que contou com a direção de Christina Constantini e Kareen Tabchs e com produção de Alex Romero explorou todas as diferentes camadas do Walter Mercado, além da idolatria iluminada dele como o excêntrico esotérico, o personagem que conhecíamos pela TV.





Walter Mercado Salinas nasceu em Porto Rico em 1932, numa família bastante humilde de fazendeiros onde ele vivia com  uns quatro irmãos. No documentário mostra ele relatando um fato curioso em sua infância que foi quando brincar no mato e se deparou com um pássaro  prestes a morrer e pegou esse e deu uma soprada nele e ele conseguiu voltar a voar e quando uma mulher testemunhou aquele fato foi correndo falar para a sua família e história correu tão solta pelo seu vilarejo que ele ganhava a fama de milagreiro e curandeiro.
Também vai apresentando além das entrevistas com o próprio Walter Mercado  já doente e debilitado, que foram feitas em sua casa em Porto Rico meses antes dele vir a falecer no dia 02 de Novembro de 2019 vítima de insuficiência renal com seus  87 anos, mas também os depoimentos de pessoas próximas a ele como seu assistente pessoal e gente importante de TV que trabalhou para ele e de suas sobrinhas. Momentos antes dele virar o célebre guru da TV, de quando ele fez carreira artística na juventude como bailarino  e ator de novelas bastante popular na TV.



A transformação dele no magnetizante guru da TV ocorreu quando de forma muito peculiar que foi quando um importante produtor da TV porto-riquenha Elín Ortiz(1934-2016). Estava desesperado porque o artista que havia convidado para representar um guru em seu programa de TV na emissora Telemundo tinha faltado. Foi então que para suprir essa ausência ele foi atrás de outro do casting da emissora e se encontrou por mero acaso com Walter e ao se deparar com ele, o convidou para representar o guru em seu programa e deu a ideia dele se vestir de forma  extravagante e acabou dando super certo. Aquilo ficou bastante incorporado nele  e no programa que virou um quadro e ela passou a compor o casting desse programa. E com a popularidade dele no seu  pais de origem cresceu, onde a partir a surgir do Walter Mercado esotérico que ao longo das décadas foi sendo divulgado para diferentes países, chegando aos EUA sendo inclusive contratado por uma emissora americana Univision cujo nicho é o público hispânico residente em território americano para apresentar um programa que o tornaria famoso mundialmente.
A crescente fama dele também chegou ao Brasil pelo tele serviço do 0900. Que estava bem popular no Brasil naqueles idos dos anos 1990.A popularidade mundial que lhe rendeu além de  fama, muito dinheiro, e cheio de patrimônios,  chegou a comprar grandes propriedades e mansões em Miami.







Mas também lhe trouxe muita dor de cabeça, principalmente depois de  descobrir que o seu produtor Bill Bakula  estava tentando lhe passar a perna e isto  lhe rendeu longos anos de batalhas judiciais que fizeram ele tomar a decisão de se afastar do meio televiso e morrer no ostracismo. E isto é relatado sem a menor cerimônia tanto por ele, como pelos entrevistados que quando ele assinou um contrato para Bakula   em 1995, constava uma clausula de que Bill era dono de tudo que envolvesse Walter Mercado desde a imagem até mesmo o nome e todos os ganhos com suas aparições na TV ficavam com ele em contrato vitalício. Que ele assinou na ingenuidade,  e quando ele foi percebendo esta irregularidade, começou a enfrentar uma dura e exaustiva batalha judicial e que resultou dele ficar afastado completamente do meio televisivo.





Mostrando como nem tudo na vida dele eram flores, do mesmo jeito que retratou a longa batalha jurídica dele com o seu empresário também mostrou o quanto que ele se incomodava com as piadas que faziam a respeito de sua suposta homossexualidade, principalmente quando sabia que tinha humorista que quando representava uma imitação dele, dava a impressão dele ser meio afeminado de forma estereotipada e afetada. Coisa que ele se incomodava bastante.







Enfim, tudo isso que o documentário mostra sobre Walter Mercado  é bastante excelente, tirando umas falhas e outras.  E com umas faltas também, como o seu refúgio na Índia onde adotou o pseudônimo de Shanti Ananda. Porém, quem acompanhou o fenômeno de Walter Mercado na TV e tem a curiosidade de saber mais sobre ele, posso garantir que o documentário é um prato cheio.


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