UM BONECO
FAZENDO SUCESSO NUM PROGRAMA DE
CULINÁRIA.
Na
tarde do domingo da véspera de finados,
1º de Novembro, partia para o plano espiritual Tom Veiga(1973-2020). O homem
responsável por manipular e fazer a voz do famoso papagaio Louro José, fantoche que divertia o Brasil diariamente nas manhãs
do programa Mais Você na Rede Globo. Ele tinha 47 anos e sofreu
de um AVC hemorrágico em sua residência na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro.
Essa
notícia deixou o Brasil inteiro abalado e inconsolado, gerando muitas
repercussões nas redes sociais de gente famosa de um cara que nunca costumava dar as caras em
público quando não estava no programa matinal manipulando e dando voz ao famoso fantoche. Aliás ele nunca dava as
caras em público, nem mesmo para dar entrevistas em outros programas de TV. Só
mesmo quando postava suas fotos em rede sociais.
O
fato curioso sobre este fantoche é que a ideia do personagem não partiu dele que o representava, mas sim da
apresentadora Ana Maria Braga lá pela segunda metade da década de 1990, na
época que ela apresentava um programa de culinária chamado Note e Anote
na Rede Record TV entre os anos de 1993-1999.
Ela
teve essa ideia quando estava num engarrafamento acompanhado do seu então
marido e empresário Carlos Madrulha, e de lá começou a conversar sobre a ideia de levar ao programa um fantoche para
o seu programa para ela se interagir como forma principalmente de atrair a criançada,
já que como o programa começava lá para meio-dia, uma hora da tarde, hora
posterior as atrações dos programas infantis Bill Body e Agente
G, nesta época onde ainda
reinavam no horário matutino das grandes emissoras abertas os programas infantis com
seus faturamentos de anúncios publicitários e nessa hora ainda passava
programas infantis passando desenhos em outros canais, ela usou desse artificio
como forma de atrair as crianças acompanhadas das mãe donas de casa para
segurar sua audiência.
Inicialmente
antes dela definir e começar a rascunhar o boneco
como papagaio ela pensou nele em ser um cachorro, um gato e outros
animais, até definir como papagaio que ficaria mais verossímil já que a ave tem
a habilidade de reproduzir a fala humana, como ela já tinha um papagaio de
estimação que batizou de Louro José sendo o José em homenagem a seu pai, fez o
mesmo com o fantoche, que foi confeccionado todo em espuma com a movimentação
dos olhos e das asas em animatronico por
uma empresa da própria Ana Maria Braga,
já para dar voz ao boneco, ela pensou em ser alguém da própria produção mesmo,
não queria que fosse um manipulador habilidoso, competente e profissional,
porque queria algo mais verdadeiro, autentico. E é ai que ele entra na
história, isto porque Neilton Veiga Junior, vulgo Tom já trabalhava antes com ela desde 1995 atrás
das câmeras como seu assistente de
palco. Função essa da qual ele entrou por mero acaso, já que ele nunca tinha
trabalhado em TV. Já tinha sido
office-boy e motorista de ambulância até que quando ele estava
trabalhando como feirante em artesanato, foi lá que Ana Maria apareceu e o convidou para assumir a
função de assistente de palco, em seu programa então na Record, já que além de
culinária o programa também se focava no artesanato e ficou encarregado dele
dar este suporte.
Tom
havia relutado muito em aceitar o convite para manipular o boneco, Ana Maria insistiu
já que ela como não queria que fosse um manipulador profissional, pois via que
não ficaria muito natural, ela então fez
muitos testes com membros de sua própria produção, quando num dia ao observá-lo
brincando com o boneco nos bastidores o convenceu a ficar na função.
E
foi daí então que por esta insistência dela, ele acabou aceitando a função,
ainda não muito a vontade de fazer a voz do boneco na frente das câmeras, e com
perdão do trocadilho, ainda não tinha conseguido encontrar o tom certo para ele
e foi se encontrando e aprimorando com o
passar do tempo. Que nesta época carregava um aspecto feio, era todo mambembe, parecia feito
de forma amadora, e depois que Ana Maria Braga saiu da Record em 1999 por
divergências salariais com a direção executiva e foi contratada pela Rede Globo para comandar
o Mais Você que está no ar até hoje, e levou junto com ela o fantoche e a partir daí
foi que ele mudou a aparência, ficando mais
bonita e começou uma longa e duradora parceria de mais de 20 anos.
Eu
lembro vagamente da primeira vez que vi
este fantoche aparecendo no programa Note e Anote, naquela época,
segunda metade dos anos 1990, eu era bem
garotinho e estava assistindo numa
antena parabólica que tinha sido
recém-instalada lá na outra casa que eu morava que era na Rua dos Potiguares. Nesta
época o sinal da Record ainda não pegava aqui em Natal-RN.
Confesso
que assistia aquilo e minha irmã via junto
por acharmos divertido e
engraçado, principalmente a interação deles com as batalhas de pegadinhas,
ainda que ficasse estranho ver uma
apresentadora de programa de culinária, cujo nicho de público é o feminino,
interagindo com um fantoche, um objeto, um ser inanimado que atraia mais as
crianças num programa daquele nível, que além do foco ser culinária também
trazia abordagens sobre comportamento, moda, saúde, entretenimento, etc...
Tudo
isso voltado ao público feminino, num formato jornalístico que bem se encaixa
na categoria dos meios de comunicação como uma imprensa rosa.
Depois
de ler muitas matérias de sites
divulgando a sua morte, com
artigos até de opinião, me fez aqui chegar à seguinte conclusão de que se não fosse pela boa sintonia, a química,
o entrosamento e a conexão que Ana Maria mostrava ao se interagir com
o fantoche na frente das câmeras por
tanto tempo. Aquela sua ideia ousada poderia ter tudo para dar errado e fracassar.
Imagino como a grande mídia impressa da época, dos jornais e revistas. Numa
época em que a internet não era tão massificada quanto agora com as redes
sociais. Pensava dessa maneira, que podia não ser duradouro a ponto de parecer
muito ridículo uma apresentadora de um programa de temática feminina trazer um
fantoche para se comunicar como uma
pessoa qualquer poderia parecer não
muito natural, poderia ficar bastante teatralizado ou mesmo muito caricato.
E
eles conseguiam convencer a naturalidade da interação, principalmente pela
forma como Tom Veiga foi conseguindo moldar, imprimir uma personalidade mais humanizada, a
medida que foi se encontrando nele. Principalmente na maneira como ele ao
incorporar e dar vida ao fantoche
desenvolvendo uma técnica de voz de
falsete, ajustando num timbre agudo personificava no papagaio um perfil um tanto infantil, malandro,
encrenqueiro, xavequeiro, intempestivo,
grosseiro, mal-educado de fala gritada, e muito tagarela, que enfim,
tornava o personagem divertido, que
criava um ótimo contraponto com a Ana Maria, principalmente pelas rápidas tiradas
que Tom colocava com o Louro José para causar uma quebra de clima, com ótimas
sacadas de timming bem colocadas no improviso, com uns toques de duplo sentido
e um tanto boca suja que lhe dava um
aspecto bem anárquico e transgressor. Tipo enquanto que ela mantinha
uma postura séria no programa, principalmente quando tinha alguns convidados ou
cometia umas gafes na hora cozinhar, ele aproveitava para soltar uma tirada cômica
que ajudava a segura-la muitas de muitas situações constrangedoras que ela passava no ar. Uma cumplicidade que também era
fora do programa, pois, segundo a própria nunca lhe ocorreu deles viverem
tretando nos bastidores.
Tom
sempre optou pelo anonimato, mesmo com o fantoche que ele manipulava sendo um grande fenômeno e sucesso no Brasil inteiro. Uma sábia decisão, pois caso ocorresse dele aparecer demais ocorreria
uma grande quebra, a ponto de parecer que ele estava se autopromovendo, e se a
fama começasse a subir na sua cabeça e
ele caísse nas armadilhas que vem junto,
quero nem pensar nas consequências negativas que poderia ocorrer.
Inclusive
num dos poucos registros que tem dele mostrando a cara limpa em público, é dando um depoimento no vídeo do webdoc do projeto Memória Globo, onde ele ali explica a
insegurança e timidez inicial que sentia
ao manipular o fantoche na frente das câmeras e do porque do medo que sentia daquilo o tornar uma figura
pública. O jeito como ele naturalmente fala, nem parece que é o mesmo cara que dava voz ao papagaio.
De
fato, dá para entender o motivo pelo qual a perda da pessoa que fazia a voz do
famoso papagaio das manhãs do Mais
Você comoveu o Brasil inteiro. Mesmo ele não sendo um manipulador profissional,
tinha umas boas sacadas muito rápidas para extrair o humor sem o roteiro, e por
não ser roteirizado não transparecia ficar muito teatralizado. O que se fosse
seguir dessa forma, poderia parecer ridículo e um tanto kitsch.
Essa
formula deu tão certo que depois, outros programas não voltados para crianças,
voltados para adultos com temáticas pesadas passaram a adotar a figura dos
fantoches para promover diversão, alguns vingaram, outros não.
Um
do melhores exemplos de fantoches que vingou além do Louro José, foi o
Xaropinho, o rato boca suja, manipulado
por Eduardo Mascarenhas que também surgiu contemporâneo do papagaio nascido também na Record no programa Ratinho Livre
(1997-1998). Programa noturno exibido diariamente no horário nobre, comando por Carlos Massa, mais
popularmente conhecido pela alcunha de Ratinho, num
formato bem caracteristicamente popularesco nada apropriado para crianças assistirem que
apelava sem a mínima cerimônia para a
baixaria, vulgaridade, com toques de mundo cão, com situações bizarras, e
esquisitas de tão farsescos que pareciam. Muito disso trazido do estilo policialesco
com cassetete e agindo bem irascível, bronco, e sem educação que foi herdado
dos tempos em que Ratinho trabalhou apresentando o programa 190 Urgente na TV Transamérica
entre 1996-1997 com inspiração no estilo intempestivo e explosivo de Luiz
Carlos Alborghetti(1945-2009), um dos nomes
mais importantes, ao mesmo tempo polêmico e controverso que já existiram no jornalismo policial brasileiro
no qual Ratinho começou seu trabalho na TV com este apresentador no começo da
década de 1990 quando apresentou o programa Cadeia na TV OM( Atual CNT).
Assim
como a exemplo de Ana Maria Braga, quando Ratinho se mudou para o SBT em 1998,
para comandar o seu Programa do Ratinho, ele também levou junto o
Xaropinho e este também permaneceu fazendo sucesso até os dias hoje.
Enfim,
só o que posso concluir é que dificilmente existirá outro bom manipulador do fantoche
Louro José que conseguirá substituir Tom
Veiga para chegar no mesmo patamar de perspicácia e de sagacidade com que Tom
conseguia ao imprimir na personalidade
do papagaio usando de uns toques de
malandragem e transgressão para deixa-lo mais humanizado sem parecer ridículo que
convencia que ele tinha vida mesmo.
Em
pensar que antes do baque dessa trágica perda
irreparável do cara que manipulava o fantoche com quem ela mantinha uma relação maternal nos bastidores, que era como se fosse um
terceiro filho postiço dela. Ela quase sofreu a perda do fantoche em alguns
episódios que envolveram batalhas judiciais. Como o processo movido pela Disney
que a acusou de plágio por achar o fantoche do Louro José muito parecido com Zé
Carioca. Pior mesmo foi o processo movido por dois artistas que trabalharam na
confecção do boneco exigindo os direitos de registro e da imagem. Batalha esta
que durou anos.
Enfim,
de uma coisa pode-se garantir, com a morte de Tom e sem o Louro José, Ana Maria
Braga terá o percurso difícil desafio de
comandar as manhãs do Mais Você sem a presença dele e a sensação
não será mais a mesma para o público vai ficar um grande vazio.
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