TRÊS DÉCADAS DE SAUDADES
No
dia 29 de Abril de 1991, o Brasil perdia um grande talento musical. Luiz
Gonzaga do Nascimento Júnior(1945-1991). Vulgo Gonzaguinha perdia sua vida no
acidente automobilístico aos 45 anos quando retornava de mais um show no Interior
do Paraná. O seu talento é a paixão pela música
já vinha do DNA. Seguindo os passos de seu pai Luiz
Gonzaga(1912-1989). Célebre ícone da
música nordestina, o santificado Rei do Baião cujo relacionamento afetivo foi
bastante conturbado ainda mais por ele
crescer com um pai muito ausente por causa das suas agendas de shows,
agravado ainda mais quando ficou órfão de mãe ainda muito pequeno e não
suportava conviver com sua madrasta.
Fora o fato do próprio ser contra ele virar artista como foi retratado
no filme Gonzaga-De Pai Pra Filho(Brasil,2012). Mesmo tendo seguido
por outro segmento musical que não do pai Gonzagão, cuja estética se caracterizava pelo estilo bem
popularmente regional nordestino com o tradicional
forró, o xaxado e o baião com letra e danças contagiantes. Já Gonzaguinha foi
para o segmento mais intelectualizado por assim dizer, principalmente pelas
músicas de cunho panfletários em protesto contra a Ditadura Militar no Brasil, que
o tornou um dos ícones subversivos das camadas universitárias como o MAU, por
exemplo. 30 anos sem Gonzaguinha, que falta que faz uma
referência musical de um artista que sabia fazer música de qualidade com letras
bem trabalhadas e não essas letras muito genéricas de hoje.
Aqui
reproduzo um texto sobre o filme Gonzaga: De Pai Pra Filho, para lembrar a
trajetória de Gonzaguinha.
“Para
mim comentar sobre a importância de
Luiz Gonzaga para a música brasileira, especialmente a nordestina é um
tanto quanto complicado, visto que pessoalmente não tive muito o privilégio de
acompanhar a sua carreira. Quando eu
nasci em 1985, a carreira artística do
Gonzaga, já se encontrava há muito
tempo naquela fase de
ostracismo, ele já não representava tanto o cantor mais vendável do
mercado fonográfico brasileiro onde
foi graças a seu filho Gonzaguinha, célebre e talentoso cantor o revitalizou
convidando-o para para tocarem
juntos num dueto no começo da década de
1980.
Na
época que ele morreu eu era muito criança, tinha só quatro anos. E como toda e
qualquer criança dessa geração eu ouvia
as canções de conjuntos musicais infantis como Trem da Alegria, Sandy &
Junior e músicas de apresentadoras
infantis como Xuxa, Angélica e Mara Maravilha. Que eram os artistas que
representavam os nomes de peso de ouro
na indústria fonográfica brasileira. Juntos com os artistas do pop
rock nacional com suas batidas modernas de sintetizador com as influencias das sonoridade de fora pelo punk, a new wave, a break dance dentre
outros estilos que revolucionaram uma nova cara para a música naquele contexto
dos anos 1980, especialmente com o surgimento da MTV que popularizou os videoclipes. E quando fui crescendo fiquei acompanhando o auge do
sertanejo, do pagode meloso e da axé music, estes gêneros musicais eram os que
reinavam na indústria fonográfica brasileira pelo seu apelo mais
popularesco.
Praticamente eu fui crescendo mais conhecendo
as referências míticas que outros artistas exaltam sobre ele, como
o icônico Rei do Baião. Mas pelo que seu respectivo filme biográfico
apresenta, vamos conhecer muito mais detalhes da vida do Gonzaga além do
santificado Rei do Baião que nós conhecemos. Lançado em 2012, ano do seu
centenário, o filme contou com a direção de Breno Silveira, um diretor que já é
bem familiarizado com o tema cinebiografia sobre uma ilustre personalidade da
música, já que antes ele tinha dirigido 2 Filhos de Francisco(Brasil,
2005), filme biográfico da dupla sertaneja Zézé di Camargo & Luciano, que
foi um estouro de sucesso e sua primeira experiência na direção. Visto que
antes ele já carregava um longo
currículo cinematográfico onde atuava como diretor de fotografia e dirigindo
videocliples. Soube ao pesquisar mais sobre ele para escrever este texto que
ele está desenvolvendo outro filme biográfico sobre outro grande artista da música brasileira, o
Rei Roberto Carlos. No filme biográfico sobre o Rei do Baião, o diretor criou
sua estética tendo como base no livro biográfico "Gonzagão e
Gonzaguinha-Uma História Brasileira" da jornalista Regina
Echeverria.
Onde aqui ele mostra numa narrativa em
primeira pessoa, todos os detalhes da vida intima pouco conhecida do Gonzaga
além do icônico Rei do Baião como o conhecemos. A maneira como é conduzida é
através do Gonzaga conversando com seu filho Gonzaguinha. Que ocorre logo na premissa da história
apresentando Gonzaguinha chegando a
Exú/PE, terra natal de seu pai onde ele
estava vivendo meio recluso sem contato com o
mercadológico mundo louco da indústria fonográfica do Eixo Rio-São Paulo onde fica-se evidente
que ele estava passando por um ostracismo na carreira. Nesta passagem fica
sugerido que Gonzaguinha vai lá com a dura missão de ir convencer o pai a
assinar um novo contrato com a
gravadora para iniciar o projeto de parcerias juntos. É nisto que conhecermos
as diferentes camadas das personalidades sobre o Gonzaga Pai e o Gonzaga Filho,
principalmente no que envolve o tumultuado
relacionamento afetivo deles.
Principalmente quando Gonzaguinha em diferentes momentos mostra nutrir mágoa por ele por ter muito
ausente em sua vida. É por meio desse
encontro pessoal deles que vamos conhecendo Gonzagão descrevendo linearmente
como era sua juventude lá em Exú.
Onde
já mostrava aptidão e dotes
artísticos para tocar sanfona, ao
mesmo tempo que mostra um pouco de sua personalidade briguenta e vivendo um
romance proibido com Nazinha(Cecilia Dassi), a filha do poderoso Coronel Raimundo(Domingos
Montagner) com quem ela precisou
terminar pelo medo da ameaça de morte. É na sua juventude que ele se alista no exército
e lá durante sua passagem pelo serviço militar ele mostrou suas aptidões
artísticas tocando na Banda Militar. Após ser dispensado do serviço militar é
mostrado ele chegando ao Rio de Janeiro, então capital federal na época. Onde
lá vai enfrentar os mais diferentes
percalços para conseguir se estabelecer na carreira artística. Levando muitos
foras dos donos de muitas das grandes rádios da época e de dono de gravadora,
até finalmente conseguir o tão sonhado estrelato. Foi já no estrelato que é
mostrado ele tendo outro envolvimento amoroso que é pela cantora de bar Dancing
Brasil Odaleia(Nanda Costa), a mãe de seu primeiro filho Gonzaguinha. Que após
complicações no parto e ficando doente
terminou morrendo quando Gonzaguinha era muito pequeno. É nisso que
passamos a conhecer a construção do complicado relacionamento dos
dois ao qual a espinha dorsal do mote do enredo
é bastante centralizado. Com Gonzaga sendo muito ausente na vida do
Gonzaguinha por causa de suas agendas lotadas de shows. Colocando o menino para
ficar aos cuidados de seus padrinhos na favela. O que complicou ainda mais quando ele conhece sua terceira e futura esposa Helena(Ana Roberta Gualda), com
quem Gonzaguinha não se bicava com ela. E com ela adotaram uma menina. Por causa dessas ausências paternas é
mostrado Gonzaguinha sendo flagrado pela polícia, praticando furtos. Por causa
desse comportamento problemático de Gonzaguinha, Gonzaga decide levá-lo para um
internato. Em seguida vai mostrando mais fluidez ao mostrar Luiz Gonzaga vendo
sua carreira perder um pouco do fôlego. Ele tira Gonzaguinha do internato, e o
que já estava pior. Piorou quando Gonzaga não aprova ele querer seguir os seus
passos artísticos, quer que ele seja doutor em vez de cantor. E a história é
então concluída com os dois depois de longas conversas e muitas lavagem de
roupa suja decidem fazer as pazes. E assim é concluída a história mostrando os
dois finalmente juntos cantando para uma turnê com a canção "A minha vida
é andar por este pais, para se um dia descanso feliz".
O diretor e toda a produção tiveram o duro
trabalho bem meticuloso de apresentar a biografia de dois talentos da música,
sendo um cria do outro onde cada um
tinha seu estilo próprio. Enquanto o
pai Gonzaga tinha como grande característica fazer as
músicas que representavam as raízes de sua terra natal com o xote, o xaxado e o
baião em conjunto com a sonoridade da sanfona como na própria
composição da letra e da melodia que o
transformou no mitificado Rei do Baião. Já o filho Gonzaguinha ao herdar o
talento do pai, mesmo não virando como posso descrever de uma forma mais
coloquial, o Príncipe do Baião. Ainda
assim brilhou no estilo musical que seguiu pegando influencias dos sambas
cariocas e da MPB com um
estilo musical mais sofisticado, mais culto, especialmente pela sua
postura subversiva, transgressora,
especialmente pela sua ferrenha crítica ao Regime Militar como bem as letras
representavam dessa forma o tornando o símbolo dos jovens universitários com o
MAU(Movimento Artístico Universitário), por exemplo. O talento que cada um tinha para fazer música de qualidade os
tornava perfeitos, ao mesmo tempo que
contrastava com a imperfeição do
conturbado relacionamento deles como pai e filho. É neste aspecto o filme
explorou bastante da forma mais crível que possa imaginar com umas tomadas de
liberdade pincelando e imprimindo umas licenças poéticas para dar mais
dramaticidade a obra. Junto também ao impecável trabalho com os planos de câmeras, a brilhante
fotografia com belas paletas de cores
quentes como mostrada nas cenas de Exu
com aquele ar mais escaldante e o tom vintage ambientado nos momentos em que
ele chega no Rio de Janeiro então capital federal do Brasil, junto com os detalhes da cenografia que fazem lindas reconstituições
de época, principalmente do Rio de Janeiro da década de 1940 e tocando as
rádios. Os figurinos e as caracterizações também ficaram perfeitas. No casting
de elenco há de se destacar a participação de três atores que ficaram
responsáveis por se revezarem no papel do Rei do Baião.
Land Vieira foi quem se encarregou de
protagonizar o papel do Gonzagão jovem quando vivia uma vida simples em sua Exu, até se alistar e servir no Exército.
O músico Chambinho do Acordeon é quem ficou encarregado de protagonizar
no filme o Gonzagão após ser dispensado do serviço militar e viver no Rio de
Janeiro, começar sua batalha para ser estabelecer como artista profissional e
tendo fincado raízes lá. O ator incorporou bem o papel do Gonzaga em sua fase
de ascensão e depois entrando no ostracismo num trabalho perfeito de
caracterização além de incorporar bem a essência mais de ser humano imperfeito
que ele era. E Adelio Lima é quem incorporou muito bem o papel do Gonzagão mais velho vivendo recluso longe
do louco mundo mercadológico da indústria
fonográfica do Eixo Rio-São Paulo com um jeito mais melancólico. Cada um
dos três desempenhou bastante
perfeitamente as diferentes camadas e
nuances de um mesmo Gonzaga. Também vale destacar para o brilhante desempenho
de Júlio Andrade como o Gonzaguinha, a caracterização dele ficou perfeita, ficou idêntico ao cantor real como estava no
auge da carreira. Ele incorporou todos os sentimentos de mágoas que ele nutria
pelo pai, por suas ausências. Vale ressaltar que eu também não acompanhei a
carreira do Gonzaguinha, eu praticamente cresci mais ouvindo referências ao
legado musical dele assim como foi com seu pai. Quando Gonzaguinha faleceu dois
anos após o pai, vitimado por um
fatídico acidente automobilístico ocorrido em 1991 quando ele
retornava de um show no município
de Pato Branco/PR eu também era muito
criança, tinha só seis anos. No filme
ele assim como Gonzagão também foi
representado por três diferentes atores. Além do já citado Júlio Andrade também
contou com Alison Santos fazendo o Gonzaguinha menino entre 10 a 14 anos e Giancarlo Di Tommaso
fazendo o Gonzaguinha jovem aos 18 anos.
O casting de elenco também contou com as
participação de grandes star talents da televisão, rostos conhecidos de
telenovelas como Nanda Costa na pele da Odaleia, o falecido Domingos Montagner na pele do Coronel
Raimundo, Ana Roberta Gualda como Helena, Claudio Jaborandy como Januário, pai
do Gonzagão a quem ele dedicou a música Respeita Januário. Cyria Coentro como a
mãe do Gonzagão, Silvia Buarque como a madrinha do Gonzaguinha, dentre outras
pequenas participações especiais.
Posso concluir que Gonzaga: De Pai pra
Filho é um bom exemplo de filme
que não se trata só de apresentar uma cinebiografia de um grande gênio do forró
pé de serra, autentico gênero musical nordestino que tornava
o talentoso e santificado rei do
baião Luiz Gonzaga, mas também uma visão mais humanizada e imperfeita dele,
explorando principalmente o seu relacionamento afetivo como pai muito
negligente e ausente que ele foi com seu filho Gonzaguinha. Como artista ele era uma perfeição, já como pai era uma
imperfeição. E a principal espinha
dorsal da trama era justamente isso, explorar a complicada relação de pai e
filho que mantinham um relacionamento complicado, mas graças a paixão pela música
conseguiram se entenderem e fazerem as pazes. Ou seja, é um filme que aborda o relacionamento familiar,
independente de alguém conhecer ou não as carreiras deles. Ele também é um bom
exemplo de filme em que as gerações de hoje precisam saber como apreciar uma
música de qualidade. E não estas genéricas, de apelo popularesco e pornográfico
dessas bandas que se dizem forró ou de qualquer outro gênero que não tem nenhum
talento e que são explorados a exaustão pela corrupta indústria fonográfica.”
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