sexta-feira, 15 de outubro de 2021

CONHECENDO CUBA POR ELA MESMA COM O FILME MORANGO E CHOCOLATE.


 


 

 

Nestes tempos em que temos visto tanta pregação de ódio aos diferentes com toda esta polarização política com este desgoverno e lidando com o medo da COVID-19. É bem apropriado comentar de um filme que traz este tipo de abordagem de uma forma até sutil como é no caso do cubano Morango e Chocolate (Fresa y Chocolate, Cuba, Méx, Esp, 1994)  dirigido por Tomás Gutierrez Alea(1928-1996) e contou também com a direção de Juan Carlos Tabío(1943-2021).  O enredo de Morango e Chocolate ambienta-se no ano de 1979, na capital Havana. Gira em torno do jovem universitário David(Vladimir Cruz), ainda não muito conformado com o fim de seu noivado. Conhece um dia, numa sorveteria Diego(Jorge Perrugorría), um artista assumidamente gay e descontente com o regime castrista.




 

Diego tenta diversas vezes se insinuar para David tentando obter alguma conquista, só que ele se mostra resistente. Será nesse encontro casual, o ponto inicial para o desenvolvimento da trama.

 


David se sentindo forçado resolve acompanhar Diego até sua casa, lá fica admirado e ao mesmo tempo espantado com a quantidade de livros que ele adquiriu nas prateleiras da sua casa. O impressionante  detalhe explorado nesse momento do filme  é quando o estudante universitário David explica para  Diego que boa parte desses livros ele nunca tinha lido e nem muito menos ouvido falar, porque eram obras proibidas, censuradas pelo sistema. Será nessa e em muitas outras cenas mais para frente de David visitando a casa de Diego, que será observado uma sútil crítica de como a população cubana lida rotineiramente com a opressão imposta pela ditadura castrista.




 

E um desses momentos muito frequentes no filme, é quando Diego ao ler um dos livros em voz alta para David, liga um som com toca-fitas em um volume altíssimo, o motivo era para os vizinhos não ouvirem aquela sua leitura, porque se o ouvissem os denunciariam para o Governo.




 

Também será no decorrer e desenrolar do filme que irá aparecer uma terceira protagonista Nancy(Mirta Ibarra). Uma mulher cuja profissão não é bem esclarecida, há quem pense que ela se trate de uma prostituta como bem sugere uma cena dela recebendo grana de uma garota de programa. Tudo em torno de Nancy é um enigma. Vai ser a Nancy a responsável por conquistar o coração de David, coisa que Diego não consegue, mas no entanto Diego consegue obter uma conquista muito melhor de David, que é a amizade e o respeito. Especialmente quando este resolve defende-lo de uma briga onde ele sofre uma imensa discriminação por sua orientação sexual.

 


 

A trama do filme de Alea pertence ao gênero de uma comédia dramática, que fez história por ser o primeiro filme a representar  Cuba na disputa do Oscar de 1995 a categoria  de melhor filme estrangeiro,  onde perdeu para o russo O Sol Enganador. Venceu vários prêmios em festivais,  entre eles  o Festival de Berlim como o Teddy, Urso de Ouro e o Urso de Prata e o Prêmio do Público e o Kikito de Ouro no Festival de Gramado. Esse filme  foi o penúltimo dirigido pelo Alea, que um ano antes de morrer dirigiu Guantanamera(Cuba, Alemanha, Espanha, 1995).  Considerado o nome de maior expressividade na ilha caribenha, que além desse também carrega um extenso currículo de outros bons filmes já dirigidos.




Em Morango e Chocolate,  dá para perceber, alguns interessantes detalhes que moldam e pincelam o retrato incoerentemente mascarado  de um país que há 50 anos é regido por um sistema de governo que teoricamente segue os princípios do socialismo criado por Karl Marx(1818-1883), onde defende os princípios de uma sociedade igualitária e mais justa, mas que na prática a coisa é completamente diferente.




 

Os três protagonistas do filme: David, Diego e Nancy defendidos brilhantemente pelo elenco enxuto,  pincelam de maneira sucinta, o retrato mascarado da realidade envolvendo esta ilha caribenha, admiradas por muitos como bom  exemplo no sistema educacional, na saúde e também no incentivo aos esportes.




 

Mas que apesar de ser um bom exemplo, também tem lá suas imperfeições que são ignoradas. O universitário David defendido com maestria por Vladimir Cruz , por exemplo, faz uma sutil crítica a maneira como o sistema educacional no país é ao mesmo tempo exemplar, fazendo com que a ilha caribenha tenha o menor índice de analfabetismo. Também carrega uma característica dúbia em relação quanto ao governo só permitir que as escolas ensinem o que seja favorável para eles, o que não for é proibido. Isso explica o motivo pelo qual David ficou bastante surpreso ao olhar e tomar conhecimento através de Diego de livros que ele nem imaginava existirem. Diego, representado brilhantemente por Jorge Prerrugorría pincela um retrato curioso, representando uma camada da população da ilha que poucos conhecem ou nem mesmo imaginam ocorrer nesse lugar que segue há 50 anos um sistema político que teoriza a igualdade.  São as camadas dos gays que lidam com o preconceito. Difícil acreditar? Mas, infelizmente o filme aborda através de Diego a visão dúbia que até num país como Cuba também ocorre a prática de preconceito, em especial o homofóbico.



 

E por fim, a Nancy defendida perfeitamente  por Mirta Ibarra, a viúva do diretor Tomás Gutierrez Alea,  pincela um retrato curioso de uma camada social cubana, como  descrevi acima, ela é bastante enigmática e a explicação para isso está no fato da personagem representar  um retrato de uma agente do Governo Cubano infiltrada em determinados bairros para colher informações sobre supostos subversivos, e o Diego era quem ela tinha a missão de ficar observando. A primeira vez que Nancy aparece no filme é na curiosa cena dela sofrer uma queda de pressão na rua e é socorrida pelos dois que a colocam numa ambulância e ao chegarem num hospital para onde Nancy é atendida, ocorre uma outra visão crítica e cômica a respeito da incoerência  do país que representa o melhor exemplo de competência na área da saúde, exportando até médicos para outros países, em seu próprio território os hospitais viverem numa carência e escassez tecnológica, como bem é mostrado na cena de Nancy ao ser atendida para receber uma transfusão de sangue, e para Diego e David conseguirem isso descobrem que o grande obstáculo é a falta de aparelhos e seringas necessárias para isso.

 

Também é curioso ver uma cena onde Nancy faz uma reza para os santos, se benzendo em banho de água benta pedindo para ter David aos seus braços. O que representa uma interessante visão de mesmo o país sendo regido há 50 anos por um regime totalitário ateu,  ainda existe uma boa parte da população mantém preservado a fé e ainda alguns costumes religioso  de mantê-la viva, como faz Nancy. E a própria mostrar que nesse país também se pratica a prostituição, apesar de ser exemplar em tudo.

 

 

Tenho de admitir que Morango e Chocolate foi o primeiro contanto com um filme cubano. Na primeira vez  que assistir a este filme que foi numa sessão alternativa promovido por Antonino Cordorelli no projeto Café com Cinema no auditório da  antiga livraria PotyLivros ocorrido em 2012. Naquela ocasião, durante os debates ocorrido após o fim da sessão  tanto o coordenador do evento quanto alguns presentes  haviam compartilhados suas experiências de quando foram   visitar Cuba por motivos de trabalho e lá relataram de terem se deparado com situações idênticas que sucintamente pincela, a outra face da Cuba castrista.  Foi bastante curioso ouvir relatos, seja da plateia, ou mesmo, do próprio Antonino Cordorelli, o responsável pelo evento. Alguns detalhes curiosos sobre como a população lida diariamente com a opressão desse governo totalitário, e uma das maneiras como eles procuram driblar como o filme bem mostra em tom de crítica muito sutil  na cena de Diego lendo para David em voz alta é ligando o som alto para os vizinhos não ouvirem e o denunciarem. Foi durante a discussão, que ouvi os exemplos das populações driblarem seja em espaço público   ou mesmo dentro do lar através de códigos.

 

 

Morango e Chocolate trata-se de uma primorosa obra-prima para a gente analisar as coisas que a gente acredita como verdade com outros olhos. E principalmente refletir que o acesso ao conhecimento da maneira que for nos abre a cabeça.   É um interessante filme que serve para a gente conhecer e entender um pouco da realidade cubana, independente de qual ponto de vista for analisado. Uma coisa é certa: Morango e Chocolate defini Cuba por ela mesma.

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