No
dia 21 de Março de 1960, nascia em São
Paulo, Ayrton Senna da Silva, em comemoração ao seu aniversário de 65 anos se
tivesse vivo em 2025, comento aqui um pouco sobre a
minissérie biográfica Senna(Brasil,2024) da Netflix que conta de maneira
ficcional a trajetória do maior ídolo do
esporte brasileiro.
Nessa
minissérie dividida em seis episódios que conta com a direção de Vicente Amorim
e Julia Rezende, e contou com o envolvimento de uma grande equipe criativa formada
por cinco roteiristas que citando por
ordem alfabética são: Álvaro Campos, Álvaro Mamute, Gustavo Bragança, Rafael Spínola e Thaís
Falcão.
Que
enfrentaram um trabalho árduo de conseguir dramatizar a vida de Ayrton Senna nessa
minissérie que eles estavam programando para ser lançado em Maio de 2024, data em que se completou 30 anos de sua morte, tarefa
que não foi nada fácil, principalmente para eles entrarem em negociações com a
Família Senna que não queria de jeito nenhum que fosse mostrado o romance de Ayrton com a então modelo Adriane Galisteu de quem até hoje eles se
ressentem e isso quase gerou um cancelamento da série.
O
que motivou um tempo menor da presença dela em tela, fora também o fato da
tarefa desafiadora que exigiria como
explorar a vida do tão idolatrado herói brasileiro do esporte sem cair nas
armadilhas de representa-lo de uma forma a romantizar demais a ponto de não parecer
estar sendo tendencioso.
Um
aspecto que acontece muito curioso quando se trata de obras audiovisuais sobre
biografias de figuras da política, por exemplo. Que é exaltar demais a ponto de
criar um caráter messiânico no mito por trás da pessoa em sua jornada heroica.
O
que tende a gerar polêmicas entre a
crítica e justamente quando essa figura
pública é envolta das polêmicas, tende-se a ser chapa branca.
Fora
outros fatores de produção que ocasionaram por esse motivo num atraso fazendo com que a minissérie só
fosse lançada no serviço de streaming no dia 29 de Novembro de 2024.
Na
minissérie, a jornada de Ayrton Senna(Gabriel Leone) começa no primeiro
episódio sendo mostrada pelo fim que é
na cena do acidente que ele sofre pista em
Ímola, durante a realização do Grande Prêmio de San Marino* em 1º de
Maio de 1994.
É
no primeiro episódio que é mostrado na
sequência corta mostrando Senna na infância na escola brincando de
dirigir e quando é pego por sua mãe Neide Senna da Silva(Suzana Ribeiro) que o
chama de Beco, o leva para a fábrica de
automóveis seu pai Milton da Silva(Marco
Ricca) que o presenteia com um carro de Kart.
É
a partir disso que a obra vai dando segmento ao longo dos episódios mostrando a trajetória
de Senna que vamos conhecendo da sua jornada como piloto do Kart para a Fórmula Ford,
antes de se consolidar na Fórmula 1.
Onde
vai sendo traçado o perfil do Senna como o mito com a fama mundial que foi
ganhando onde viveu seus atritos com o piloto francês Alan Prost(Matt Mella)
seu grande rival nas pistas, não só enfrentou atrito com Prost, mas também com
Jean-Marie Balestre(Arnaud Viard), o então dirigente esportivo francês que presidia a FIA(Federação Internacional
Automobilística) entre os anos 1986 a 1993, época que Senna atuava na Formula 1.
Assim
como também vai traçando o perfil do retrato da sua vida intima, principalmente ao retratar
sua relação de amizade com o locutor Galvão Bueno(Gabriel Louchard) e dos seus
relacionamentos amorosos, como do curto casamento que teve com Lilian
Vasconcellos(Alice Wengman), isso antes dele virar uma personalidade pública na
Fórmula 1. Do romance que teve com a então apresentadora infantil Xuxa
Meneghel(Pamela Thomé) que é mostrada em um tempo de tela maior e o curto tempo do romance dele com Adriane
Galisteu(Júlia Foti) que foi a alternativa que a produção escolheu para
conseguir a liberação da Família Senna para eles poderem estruturar o roteiro
da série.
Fora
também como foi mostrado num extra do making off, que a produção enfrentou
também a tarefa de recriar no trabalho cenográfico dos antigos autódromos que
foram gravadas em locações na Argentina e no Uruguai, que contaram com a
reprodução tecnológica do CGI para
reconstituir a cenografia dos anos 1980, os antigos modelos de carros de Fórmula
1, a maneira como foram gravados com o auxílio de dublês experts, a reprodução
dos figurinos dos antigos macacões com patrocínios de marcas que já não existem
mais.
Ufa,
tudo isso contou com o envolvimento multinacional de técnicos em efeitos
especiais da Argentina e do Uruguai, assim como também muito bem trabalhada a
reprodução cenográfica do programa
Xou da Xuxa(1986-1992), com Senna recebendo muitos beijos de Xuxa,
tudo muito bem trabalhado na obra.
Um
bom trabalho meticuloso de reprodução de
época que nos fez imergir e retornar aquela época em que Senna divertia os
brasileiros com sua vitória aos domingos entre os anos 1980 e 1990 cuja trilha
nacional que trazem canções como Ska dos Paralamas do Sucesso e algumas
internacionais como The Best da popstar americana Tian Turner(1939-2023).
Essa
produção que contou em seu elenco com feras nacionais e internacionais, como Gabriel
Leone protagonizando o Ayrton Senna(1960-1994), apesar dele não se assemelhar a
Senna ainda assim ele consegue transmitir o perfil se equilibrando entre o mito
que domina as pistas e a pessoa extrovertida fora das pistas.
Ele
consegue transmitir bem as várias faces do
Senna que publicamente nas entrevistas mostrava um perfil calmo, sereno de fala
mansa e muito seriamente metódico em sempre vencer e fora das pistas mostrava
ser um cara descontraído.
Um
Senna que também mostra estar longe de
ser um santinho, apesar da aura do mito heroico que se criou em torno dele,
principalmente quando são mostrado as brigas de bastidores que ele teve com seu
adversário nas pistas Alan Prost, muito bem defendido pelo francês Matt Mella
que ficou bem parecido com o próprio que parece não ter gostado de sua
representação na série, com um perfil vilanesco, meio Dick Vigarista do desenho
da Corrida Maluca, mais que ainda
assim soube bem como representa-lo em cena, mostrando com também havia relação
respeitosa entre eles.
Ou
mesmo das cenas de suas brigas com o então dirigente da FIA, Jean-Marie
Balestre(1921-2008) que foi representado pelo ator francês Arnaud Viard que bem
apresenta os bastidores podres das administrações esportivas.
Outras
feras nacionais e internacionais presentes na série são de Marco Ricca que
representa bem em cena o papel do Milton da Silva, pai do Ayrton, um homem que
soube investir bem no potencial do filho
para o automobilismo, ainda mais que ele por ser dono de uma fábrica de automóveis
e o presentear com um kart no começo da série foi incrível. Milton faleceu em
2021, aos 94 anos de causas naturais.
Do
núcleo da Família Senna também menciono
as participações de Susana Ribeiro que está brilhante em cena representando a
mãe de Ayrton, Neide Senna, uma típica mãe zelosa e sempre muito preocupada com
o filho. E Camila Márdila como a Viviane Senna, sua irmã com quem ele
confidencia o sonho de criar o Instituto Ayrton Senna.
Do
mesmo modo, posso citar as participações de Alice Wengman que apesar de
aparecer pouco, mas mostra um bom desempenho no papel da Lillian Vasconcelos, a
única mulher a quem Senna foi de fato casado antes de virar uma grande figura pública.
Ao
longo da vida de Senna, ele apesar de ter morrido solteiro aos 34 anos,
colecionou um monte de romances com mulheres de belezas exuberantes, boa parte delas modelos, mas na
série eles condensaram na figura que teve o destaque maior, que foi no caso
Xuxa sendo representada por Pamela Thomé.
A
atriz se mostra muito identicamente caracterizada como a apresentadora infantil
conhecíamos nos anos 1980,
principalmente para quem foi da minha geração que nasceu na segunda metade dessa
década, que além de alcançarem Ayrton Senna no auge do sucesso de sua carreira
na Fórmula 1, também alcançou Xuxa no auge de sua carreira na TV.
Inclusive
na série a produção aproveitou da lenda que se criou que Xuxa e Angélica** eram
inimigas devido as semelhanças no só no cabelo, mas ambas também tinham o nicho
do público infantil que na cena que mostra Senna a apresentando Xuxa a família na sua propriedade litorânea, o seu pai Milton ao se direcionar a ela pergunta assim:
-Eu
te conheço de algum lugar, você não é aquela apresentadora a Angélica?
Xuxa
responde assim:
-A
Angélica vai de táxi, já eu vou de McLaren.
Uma curiosa cutucada que a produção
aproveitou para também refletir aquele contexto
de que Xuxa não era a única apresentadora infantil, também tinha uma
forte uma concorrente e usou uma referência a canção de Angélica do Vou de
Táxi*** o comparando de que Senna estava na McLaren.
Assim como Gabriel Louchard que se
destaca bem representando na minissérie o papel do locutor Galvão Bueno, ele
está impagável na pele do Galvão, principalmente como quando é mostrado ele
narrando as vitórias de Senna, com o “Ayrton, Ayrton, Ayrton Senna do Brasil”
e podemos ouvir a famosa trilha instrumental do Tema da Vitória, uma
composição de Eduardo Souto Neto e de sua relação próxima de amizade com Senna
é também fascinante.
Também mencionar as participações de
atores que representam alguns dos importantes pilotos da história da Fórmula 1 e
outros nomes importantes do automobilismo como: Hugo Bonemer que representa na
minissérie o papel do piloto brasileiro Nelson Piquet, o alemão Johannes
Heinrichs que representa o ex-piloto austríaco Nikki Lauda(1949-2019), o
britânico Leon Ockeden representou o ex-piloto James Hunt(1947-1993), o
nipo-americano Keisuke Hoashi representa na minissérie o engenheiro japonês
Osamu Goto, da marca Honda e Steve
Mackintosh representando Frank
Willams(1942-2021), dono da Williams dentre outras participações especiais.
É necessário esclarecer que nessa obra
ficcional houve algumas tomadas de liberdade com pitadas de licenças poéticas para
poder a dramatização ficar mais envolvente, uma delas é na cena que mostra
Senna curtindo uma festa promovida pela realeza de Mônaco onde estava presentes
muitos dos pilotos como convidados pois era para celebrar o Grande Prêmio de
Mônaco.
Nesse momento é mostrado Senna flertando com uma duquesa de
nome Malena, onde mostra ele se aproximando dela e ainda que não mostre, mas
deixa implícito uma suposta relação sexual dele com ela. Essa mulher, “no
entanto, não existiu, e não há relatos seguros de que ele tenha se envolvido
com alguém da realeza, embora algumas aventuras amorosas rápidas sejam
descritas em sua biografia.”(Fonte: Site da Veja de 3 de Dezembro de 2024).
O que serviu mais para exemplificar a
representação da Fórmula 1, como uma modalidade elitista, onde só costumam
competir membros nascidos em berços de famílias abastadas como é o caso de
Senna, ainda mais sendo uma modalidade individual, ao contrário do futebol que
é coletivo e atrai as massas populares, o queo torna o uma paixão nacional. É uma forma de conectar também ao fato de Mônaco
ter sido o lugar onde Senna mais foi campeão e também mostrar o lado glamouroso
da Fórmula 1 e também tratar da metáfora do quanto ele foi retratado como uma
realeza nas pistas.
Outro ponto que também é uma licença poética
da série é a presença do garoto Marcelo Silva, representado por Anderson Amorim,
que é um garoto que acompanha as suas corridas
no bar de seu pai num humilde bairro periférico, onde mostra Senna lendo entre
umas cartas de fãs, uma dessas era uma carta dele com um desenho ilustrado e decide visita-lo de surpresa.
O menino de fato não existiu, mas ele
serviu bem para personificar a representação
da camada popular brasileira, em especial das crianças que viam nele um exemplo
de inspiração, ou seja, uma forte conexão dos brasileiros com ele.
Mostrando também a preocupação que Senna trazia em representar o Brasil, um país
tão desigual que quando ele firmou seu nome internacionalmente na Fórmula 1 na
segunda metade dos anos 1980, o Brasil estava passando por uma mudança sócio-política-econômica
com o fim da Repressão da Ditadura Militar e passando por uma transição de governo militar para governo
civil herdando uma inflação alta e Senna em toda sua vitória, ao demonstrar um
agradecimento a Deus, já que veio de uma família de formação religiosa católica
e tremulando a bandeira do Brasil foi uma forma dele demonstrar sua paixão pelo
país, mesmo com todos os problemas e foi daí que ele concebeu o Instituto
Ayrton Senna, que foi concretizado pouco depois que ele morreu.
E outro elemento ficcional presente na
série é a presença da jornalista inglesa Laura Harrison, representada pela
também inglesa Kaya Scodelario, que é com quem Senna sempre aparece interagindo
quando dá entrevistas ao competir para Grandes Prêmios ou em outras ocasiões festivas.
Ela
na minissérie serve para exemplificar uma maneira de condensar a representação
dos diferentes jornalistas com quem Senna foi interagindo ao longo sua ascendente
carreira na Fórmula 1.
Num balanço geral, a minissérie Senna
apresenta muitos saldos positivos a seu favor para mostrar a uma geração de
brasileiros que não alcançaram o seu
sucesso, que nasceram após sua morte conhecer a importância dele como exemplo a
ser seguido de herói brasileiro.
O único saldo negativo é o fato de que
como a participação da Adriane Galisteu foi reduzida por conta do pedido da Família
Senna, isso levou a uma forçação de barra
da produção de estenderem um tempo de tela maior para Xuxa.
Posso concluir que vale a pena assistir a minissérie sobre o maior herói esportivo
que o Brasil já conheceu.
***A
canção Vou de táxi que Angélica gravou em 1988, o primeiro single a compor o repertório do seu LP de estreia
quando ela tinha apenas 15 anos gravado
pelo selo da CBS. Trata-se de uma versão de Joe Le Taxi, canção gravada em 1987
pela então jovem cantora de 14 anos Vanessa Paradis que foi muito sucesso nas
paradas das rádios francesas e de países da Europa como os francofanos da
Bélgica, por exemplo. A canção original,
diferente da adaptação feita aqui no Brasil onde foi por meio de um produtor
dela que ao fazer uma viagem à França ao tomar conhecimento dessa canção
tocando nas rádios negociou o direito de adaptação e chamou o cantor Byafra e
seu irmão Aloysio Reis para adaptar a letra gravada por Angélica. Na letra
original composta por Étienne Roda-Gil(1941-2004) a canção aborda sobre a vida
rotineira de um taxista chamado Joe, o Joe Le Taxi do título da canção,
passeando pelas ruas de Paris que foi inspirado num taxista real, melhor
dizendo numa taxista real que foi uma motorista portuguesa chamada Maria José
Leão dos Santos(1955-2019) que era conhecido como Joe, uma popular
personalidade LGBTQUIAPN+ da noite parisiense durante os anos 1980. Bem
diferente da versão romântica com toques de erotismo nas entrelinhas do texto que
Angélica eternizou.
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